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Tentei abrir a porta do quarto com o prato e o copo, não obtive sucesso na primeira tentativa, mas antes da segunda a porta abriu sozinha.

-Miau.
(As damas na frente)

Olhei ao redor para saber se tinha alguém no corredor, estávamos sozinhos. Entrei e antes de colocar a comida na mesinha a porta já havia se fechado.

-Miau.
(Você é sempre mal educada assim? Custa agradecer?)

-Obrigada.

Olhei para a cama e vi que Mariane estava dormindo, fiquei com pena de acordá-la, trazê-la de volta para essa realidade que tinha se tornado horrível, mas ela precisava comer. Suspirando toquei levemente seu ombro.

-Mariane, Mariane. Acorde, está na hora de comer.

Ela abriu os olhos com dificuldade, o que causou um aperto no meu peito.

-Oi, Ellie.

-Oi_falei sorrindo_ está na hora do seu papá.

Ela deu um leve sorriso e isso me deixou feliz.

-É purê de abóbora com carne desfiada, espero que goste.

-Eu acho que dessa vez consigo comer sozinha.

-Tem certeza?

-Eu quero tentar.

-Tudo bem.

Ajudei Mariane a sentar-se na cama e ela começou a comer lentamente. Depois da quarta colherada seus braços já pareciam cansados, mas não quis tirar sua pouca independência.

-Você quer água?

Ela assentiu e eu entreguei o copo enquanto pegava seu prato, ela tomou alguns goles e trocamos mais uma vez.

-Obrigada.

-Não é nada. Como você está se sentindo agora?

-Cansada, mas quase sem dor. Eu estou melhorando incrivelmente rápido, nunca imaginaria que isso fosse possível.

-Nem eu_disse olhando para Bolinho.

-Miau.
(Nós fae sempre realizamos nossos favores, até as lendas dizem isso.)

Concordei com a cabeça, realmente era bom que fizessem isso porque concordei com o favor sem nem mesmo pensar na possibilidade de ele não cumprir e eu ter perdido um pedaço da alma sem ganhar nada em troca. Eu realmente tinha perdido um pedaço da alma? Precisava perguntar isso para ele assim que ficássemos a sós .

-Esse gatinho é seu? Ele sempre vem quando você está aqui.

-É sim, o nome dele é Bolinho.

-Miau.
(Eu odeio esse nome, muito mesmo)

-Que bonitinho. Ele é bem gordo, não é?

-Sim, obeso.

-Miau
(Do mesmo jeito que você vai ficar se continuar comendo como um porco)

-Nossa, ele parece até participar da conversa.

-Sim, ele mia bastante.

O gato revirou os olhos, meu Deus, o gato revirou os olhos. Encarei Mariane, mas ela eatava olhando para a comida. Bolinho pulou no meu colo e seu peso quase fez o prato da menina voar.

-Desculpe.

-Tudo bem.

Resolvi sair da cama e ir para a cadeira, carregando Bolinho comigo. Mariane demorou muito para terminar a comida, ela parecia extremamente triste.

-Eu tenho uma notícia para você?

-O que é?_Perguntou ela desanimada.

-Consegui um emprego para você.

-Como? Ninguém contrataria uma transviada.

-Olha, você já passou por sua pena e está dentro da lei, pode ser contratada para qualquer coisa.

-Posso, mas ninguém quer me contratar.

-Claro que querem. Meu sogro te ofereceu um emprego aqui na taberna.

Nesse momento os lábios de Mariane começaram a tremer e ela chorou.

-Meu Deus, eu falei algo que te magoou?

Saí da cadeira derrubando Bolinho, que chiou e voltei para a cama. Mariane balançava a cabeça negativamente enquanto soluçava.

-Não é isso, é que você está sendo tão boa para mim.

Eu a abracei levemente para não causar dor em seu corpo convalescente e afaguei seus cabelos negros.

-Vai ficar tudo bem, você vai ter uma vida nova aqui e eu estarei contigo.

-A vida pode até ser nova, mas ninguém vai me aceitar, além disso, vou macular sua reputação.

Eu dei uma risada seca.

-Eu não tenho reputação, as pessoas também não me aceitam, mas tenho certeza que meus poucos amigos vão te aceitar.

-Obrigada por tudo o que tem feito por mim. Nada paga esse carinho.

Sorri para ela e beijei o topo de sua cabeça. Não conseguia imaginar quão miserável ela devia estar se sentindo.

Mariane ainda devia estar cansada, pois adormeceu ali mesmo. Fiquei preocupada de ela acordar quando a colocasse deitada, mas a menina continuou dormindo. Como a pomada já tinha desaparecido eu reapliquei, era triste ver aquele losango.

Saí para devolver o prato, mas não queria ver minha irmã novamente então subi e lavei tudo na pia da casa. Bolinho me seguia, o que era bom, pois precisava falar com ele.

Fui para o quarto de hóspedes, que era aonde eu costumava dormir quando vinha para cá e tranquei a porta quando o gato passou. Riwty virou homem imediatamente.

A força daqueles olhos sempre me desequilibrava, ele era tão lindo, tão impossivelmente bonito.

-Quanto tempo você vai ficar babando aí?_perguntou ele com um sorriso convencido.

Fiquei com vergonha e tentei me concentrar, mas o cabelo dele tinha tantos tons que eu só queria enfiar os dedos ali. O cheiro dele era de floresta. Balancei a cabeça e perguntei:

-Vocês realmente tomam um pedaço da alma quando fazem um favor?

-Vai saber, não é?_ele falou encolhendo os ombros.

-Você sabe.

O sorriso dele aumentou.

-Sei.

-Não vai me contar?

-Talvez um dia.

O descarado saiu andando e deitou em minha cama, chutando as botas para longe.

Pela primeira vez eu reparei em suas roupas. Ele usava uma túnica azul escura sem cadarços, com detalhes de folhas douradas (seriam de ouro?) no decote, nas mangas e na barra. Sua calça era do mesmo material, mas sem nenhum enfeite que eu pudesse ver. Ele tambem usava um brinco na ponta da orelha, que agora eu via, eram pontudas. Ainda terminava de examina-lo quando ele se levantou de um salto, andou até mim com dois passos e segurou meu braço.

O mundo girou, girou cada vez mais rápido até que me vi no meio da floresta. Quando ele me soltou eu caí no chão, completamente tonta. Segurei a cabeça e a pressionei até que ela voltasse a funcionar.

-Por que você me trouxe aqui?

-Precisava conversar com você.

-Não podia ser lá?

-Um efeito dramático é sempre bom.

Revirei os olhos.

-Fale.

-Bem, você teve seu primeiro favor.

-Tem um limite?

-Não, mas toda vez que você recebe um favor você tem a chance de me mandar embora. Ellie, você quer que eu vá?

AceitoOnde histórias criam vida. Descubra agora