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Acordei em uma cama mais confortável do que a que eu estava acostumada, virei para o lado e bolinho resmungou de ter de sair da minha barriga. Respirei melhor imediatamente, aquele gato obeso estava me esmagando.

Cocei as orelhas de Bolinho e ele ronronou para mim. Olhei em volta e vi que estava no quarto de Pablo, levantei cambaleando e achei minhas botas ao lado da cama.

Fui para a sala e encontrei o doutor e Pá conversando.

-É um milagre, ela estava desenganada ontem. Hoje é praticamente certo que sobreviva. A infecção diminuiu e a febre passou._ disse Pastin.

Eu me lembrei do acordo com Riwty ontem e me senti subtamente feliz, foi um bom motivo para perder um pedaço da alma.

-Bom dia.

-Bom dia, minha filha. Encontramos você dormindo naquela cadeira dura e a trouxemos para cá. Você ouviu o que o doutor falou? São notícias maravilhosas.

-Sim, eu estou muito feliz. Ela já acordou?

-Ainda não, mas precisamos acordá-la para que ela coma alguma coisa. A moça está muito magra e a comida vai ajudar na recuperação.

-O que você recomenda, doutor?_perguntou Pá.

-Uma sopa ou um mingau.

-Vou fazer um mingau para ela e alguma coisa para vocês dois. Não esqueça de me dizer quanto ficou o tratamento, para eu poder te pagar.

-Eu não cobro nesse tipo de caso.

Admirei ainda mais o doutor depois disso. Ele cobrava muito pouco das pessoas mais pobres da vila, as vezes aceitava até comida e animais. Uma vez ele ganhou uma vaca, não teve coragem de matar o bicho e deu o nome de Cremosa.

Pá me deu aquele chocolate com rum que eu adorava e algumas tortinhas da padaria da dona Gema. Aquilo me lembrou de que eu precisava trabalhar, mas estava relutante em abandonar a moça.

-Calma, minha filha. Vovó liberou você até que a moça se recupere, ela disse que não ficará sobrecarregada porque o neto a está ajudando.

Aquilo me acalmou, comi minhas tortinhas mais tranquilamente. Pá tinha comprado várias, duas de cereja, que ele sabia serem minhas preferidas, uma de limão, uma de morango e uma de laranja. Se ele achou que eu não ia comer tudo estava muito enganado. Terminei meu café da manhã quase rolando e muito feliz. Pastin tinha ido verificar a moça antes de ir para casa e meu sogro foi trabalhar.

-Miau.
(Você come como um porco para abate)

-Que absurdo._falei para Bolinho que tinha se esgueirado para a cozinha sem que eu percebesse._Você é o único obeso aqui.

Então ouço uma risada de escárnio e dou de cara com John na entrada. Meu futuro cunhado me olhava com o desprezo habitual.

-Então além de puta ficou louca?

Meu rosto esquentou. Detestava quando ele falava assim, costumávamos ser muito amigos, ele ficou bem feliz com meu noivado com seu irmão, até eu aparecer pela primeira vez com Matias. A raiva que ele começou a sentir de mim partiu meu coração, mas ele era muito preconceituoso com os transviados e apesar de não concordar inteiramente com a punição, ia querer que Pablo saísse da vila, talvez até o ameaçasse para isso. Não podíamos contar, não ainda, pelo menos.

Bolinho chiou para John. Ele ignorou e veio se sentar na minha frente.

-Soube da transviada, também soube que foi ideia sua.

-Sim, foi, mas seu pai concordou.

-Meu pai faz qualquer coisa por você e o cabeça oca do meu irmão não fica atrás. Não quero aquele tipo na minha casa.

-A casa não é sua, é do seu pai e ele concordou. Além disso, ela já sofreu a punição, não tem mais nenhuma dívida com a lei.

-Você não cansa de estragar sua reputação?

-Não quando eu acho que ela me impede de fazer o que é certo.

-Vadia, eu tenho vergonha de ter você como família.

-Você teria de qualquer modo, minha irmã vai se casar com você.

-Ela renegaria você com muita facilidade, Ellie.

Aquilo arrancou lágrimas dos meus olhos. Levei um susto quando ouvi um grito, era Bolinho atacando John, suas garras fincaram profundamente em seu rosto e braços.

Assim que me recuperei do choque tentei freneticamente tirar o gato da cara do meu cunhado.

-Bolinho, pare.

O gato soltou ele e se aconchegou no meu colo como se fosse a criatura mais dócil do universo.

-Miau
(Eu deveria matar você, criatura mesquinha. Você me dá nojo.)

-Esse gato é um demônio.

Voltei a sentar com bolinho no colo e John saiu. Fiquei ali uma meia hora pensando no que ele disse. Será que minha irmã seria realmente capaz de cortar laços comigo? Eu sabia que a tinha desapontado muito, mas ainda assim ela era minha irmã. Não conseguia entender como Ester continuava com John, ela não tinha problema nenhum com os transviados, inclusive achava aquilo tudo muito bárbaro. Bolinho lambia meu braço, como que para me consolar.

-Miau
(Você não é nada do que eles falam, são apenas idiotas demais para compreender você.)

Cocei as orelhas do gato e uma lágrima caiu em seu pelo. Bolinho sacudiu a cabeça. Tirei o fae do meu colo e fui lavar minha caneca. Desci para levar o mingau que já deveria estar morno para a moça.

Pablo estava no quarto com ela, a moça ainda dormia.

-Eu já ia acordá-la.

-Pode ir trabalhar, Pablo. Eu cuido dela.

Ele concordou e ia saindo quando o chamei.

-Pablo, você tem vergonha de mim?

Pablo arregalou os olhos e correu para me abraçar, quase derrubando a tigela de mingau. Percebendo isso, meu noivo tirou o pote das minhas mãos e a colocou em uma pequena mesa de madeira.

-Nunca. Eu tenho orgulho de ter como amiga e noiva a mulher, não, a pessoa mais corajosa, leal e altruísta que já conheci. Você é um ser humano maravilhoso, que eu vou ter uma dívida eterna. Gostaria que todos soubessem quem você é de verdade.

Ele me abraçou com mais força e passou a mão nos meus cachos, os dedos ficaram enganchados nos nós. Não tinha penteado o cabelo hoje. Quando viu que eu estava mais calma desceu para a taberna e me deixou sozinha com bolinho, que novamente não vi chegar e a moça que acabara de abrir os olhos.

-Onde eu estou? _perguntou ela com a voz cansada.

-Você está segura. Meu nome é Ellie.

AceitoOnde histórias criam vida. Descubra agora