A dor era muito forte, o sangue escorria pelas minhas pernas, eu tinha perdido meu bebê. Tentei me levantar, mas outra pontada veio e eu voltei para o chão. Então fui engatinhando até a porta, ali me agarrei no balcão da pia e me ergui lentamente.
A dor deixava meu mundo vermelho, da mesma cor do sangue que escorria pelas minhas pernas. Tinha sido apenas um mês de gravidez, não era para ter parado de sangrar? Quanto tempo havia passado? Que dor.
Consegui sair, mas precisei me sentar logo que passei pela porta, eu mais caí que sentei. Felipe estava parado ali em frente, provavelmente me esperando. Quando me viu cair correu em minha direção.
-Ellie, o que aconteceu?
-Me leva para o doutor.
-Deixa que eu te carrego.
Ele me colocou nos braços e seguiu comigo para a casa do médico. Fomos pelo caminho mais discreto porque nessa hora vários saíam para trabalhar.
A dor era agonizante, eu chorava baixinho no colo de Felipe. Eu tinha perdido meu filho. Se Riwty não tivesse me empurrado eu não teria abortado. A raiva veio como uma onda, mas foi abafada e ficou bem mais fraca. Era a segunda vez que isso acontecia, sabia que isso também era responsabilidade dele.
Eu queria essa criança, não queria o casamento, mas queria o bebê. Desgraça de mundo que eu não podia ter um sem o outro. Mesmo eu que sou excluída não teria coragem de ter um filho fora do matrimônio, não seria justo com a criança que precisaria passar pelo inferno.
-Você está sangrando._ ele disse com a voz cheia de preocupação.
-Eu perdi meu bebê.
-Ellie.
Felipe não falou mais nada, só começou a andar muito mais rápido. Inspirei o cheiro dele, tentando me trazer alguma coisa familiar. Ele cheirava como sempre, madeira e feno. Lembrei da minha égua, queria abraçá-la agora, ter o conforto de um animal que não julga nada, diferente de Bolinho. Fechei os olhos, não queria ver quanto do caminho faltava.
Quando finalmente chegamos lá, a vaca do doutor nos olhou com aqueles olhos mansos e felizes, de um animal que sabe que nunca vai ser abatido.
Eu me perguntava de tempos em tempos se já não deveria ter parado de sangrar. Felipe começou a bater com força na porta do médico.
-Doutor, doutor.
O doutor Pastin abriu a porta um pouco assustado, mas já estava vestido. Ele abriu a porta para nós e Felipe entrou comigo.
-Leve-a para a porta da esquerda.
Felipe me carregou para lá enquanto o doutor Pastin fechava a porta. Fui colocada em uma cama alta e ele chegou para o lado para dar espaço ao médico. Era a primeira vez que eu via a expressão do homem que seria o pai da criança, ele parecia desesperado.
-Pode nos dar licença, Felipe?
A voz do doutor soou um pouco dura, o que me pareceu estranho, vindo de um homem sempre tão gentil.
-Claro, claro.
Ele saiu e fechou a porta.
-O que aconteceu com você? Ele te agrediu, Ellie?
-Não, nada disso. Eu, eu perdi meu bebê.
Agora entendi porque ele foi duro com Felipe. Sua expressão melhorou, mas seu olhar era de pena.
-Imaginei que quisesse engravidar quando parou de procurar os tônicos. Preciso subir sua camisola.
-Tudo bem.
-Acha que estava de quantos meses?
-Apenas um.
Seu olhar ficou levemente preocupado. Ele pegou uma esponja e a molhou, passou na minha vagina e a examinou.
-Você continua perdendo sangue. Está sentindo dores?
-Muita dor.
-Um pano quente diminuiria a dor, mas como está perdendo mais sangue que o normal não posso fazer isso.
Ele andou até um armário e retirou uma caixa, pegou algumas ervas e um pilão. Observei enquanto o doutor moía as plantas.
-Vou fazer um chá disso aqui para você. Vai precisar tomar de três em três horas, é para a hemorragia e também alivia um pouco a dor. Depois ver se acho uma camisola nas coisas da minha falecida esposa, não poce ficar com essa roupa suja de sangue.
Ele saiu e ouvi que os dois homens começaram a conversar, mas não sabia o que era. Estava me sentindo extremamente cansada, então nem me esforcei para ouvir.
Algum tempo depois o doutor Pastin voltou com Felipe, uma xícara de chá, uma camisola e alguns panos para menstruação.
-Felipe, fique um pouco lá fora para que eu possa ajudar Ellie a se trocar.
O outro abriu a boca para responder, mas percebeu como aquilo seria impróprio e saiu. O doutor limpou minhas pernas, arrumou os panos como se fossem uma fralda e vestiu a camisola em mim. Era estranho usar as roupas de uma morta.
-Posso deixar Felipe aqui com você enquanto vou para a taverna? Seu cunhado também precisa de cuidados e mando Pablo vir aqui. Eu também explico sua situação para a vovó.
-A vovó se aposentou. Você poderia não entrar em detalhes com o Beto?
-Claro, isso é assunto somente para você e o pai da criança.
Percebi que ele não falou o nome do Pablo, deveria desconfiar que o pai fosse Felipe. O doutor Pastin me deu o chá, que era amargo e queimou a ponta da minha língua.
-Bem, você precisa de repouso por pelo menos dois dias. Não acho que deva sair daqui antes de amanhã de manhã e só pode se levantar da cama para ir ao banheiro.
-Eu queria te pedir mais uma coisa, não conte nada para Ester ou George, os dois já estão muito sobrecarregados com o estado de John.
-Claro, fique tranquila.
O médico saiu e Felipe veio se sentar em uma cadeira ao lado da cama.
-Como está se sentindo?
-Cansada, com dor e triste.
-Sinto muito.
Ele segurou a minha mão e a apertou gentilmente. Senti meu carinho por ele voltar, se tudo fosse diferente talvez pudéssemos ser felizes. O olhar dele para mim era infeliz.
-Ellie, eu preciso saber, esse filho era meu?
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Aceito
FantasyOs fae são criaturas da floresta, lá eles vivem e predam. Porém, quando escolhem um humano a vida do mortal muda para sempre, pois ganhará todos os favores que quer do fundo do coração. Porém, a lenda também diz que esses favores têm um preço, a alm...