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O que está em minha mente agora.

Ranz:

     No começo do ano, entrei em uma escola nova mais uma vez. Fui expulso de várias, por agredir colegas, ofender moralmente professores, destruir salas em momentos de fúria.
As pessoas Não me entendiam, as pessoas não me ajudavam, e eu fugia delas com todas as minhas forças. Por que a verdade é que muitas não sabiam o que aconteceu comigo quando era mais novo. Foi noticiado no jornal por conta da importante influência dos meus pais na medicina na cidade, mas, mesmo assim, era só mais um caso que famílias apressadas viam na TV de relance e logo esqueciam.

      Me chamo Ranz Kyle e eu fui abusado quando tinha quatro anos pela minha babá e o namorado dela.

       Meus pais não tinham mais tempo pra mim e meu irmão mais velho Brant. Eu ainda não ia pra escola, e meu irmão passava o dia todo na escola. Por causa disso, minha mãe e meu pai buscaram quem pudesse tomar conta de mim. Um dia, me lembro claramente, me chamaram pra descer na sala e eu fui correndo pelas escadas, vi uma mulher de pele parda, casaco azul e calças jeans sorridente conversando com meus pais. Minha mãe me apresentou e disse que seu nome era Carolina e ela cuidaria de mim. Ela era legal, ela brincava toda hora comigo, me dava doces e assistia várias vezes o mesmo filme que eu queria. As vezes ela dormia no meu quarto e agia como se fosse realmente minha mãe. Eu gostava muito dela, na maioria das vezes eu chorava sempre que ela ia embora ou que minha mãe tentava me levar com ela, me separando de Carolina.
      Um dia, aconteceu uma coisa estranha, que me fez sentir receio por algum tempo antes de deixar pra lá, o que eu não deveria ter feito. Eu fui dormir de cueca, e antes que ela me cobrisse, ficou passando a mão nas minhas pernas quase próxima as minhas partes íntimas. Aquilo me gerou um desconforto, mas depois voltou tudo ao normal...por um tempo. Situações parecidas começaram a acontecer constantemente, ela as vezes beijava meu corpo de forma indevida, e passava a mão em mim. Tudo só piorou, quando ela trouxe o maldito namorado dela. Uma criança sente, quando alguém com aura extremamente podre se aproxima, e sabe que alguma coisa muito ruim vai acontecer. Já era quase meia noite e ela não me deixou dormir, todos os empregados, inclusive Mayson já estavam deitados. Lembro de perceber agitada, ansiando a chegada de alguém, até a campainha tocar. Um homem alto, de camisa verde e um jeans velho, careca e com uma barba mal feita entrou na minha casa. Eu, do topo da escada, olhei apreensivo pra ele, que me deu um sorriso sombrio e psicótico. Foi nesse dia, que eu odiei tudo por toda minha vida.

     Carolina me mandou descer, e eu não quis. Então ela subiu as escadas e me fez descer a força, me levando pra perto daquele monstro. Ela perguntou se ele tinha trazido o que ela pediu e ele respondeu que sim. Eles sentaram no sofá, e me obrigaram a sentar no meio dos dois. Colocaram uma fita no vídeo cacete e um filme pornográfico começou a rodar. No início eu não entendi, e Continuei sem entender, até que eles dois começaram a se estimular, na minha frente. Eu realmente não entendia, eu achava aquilo nojento, e eu queria subir pro meu quarto e dormir. Eles me obrigaram a tocar nas partes íntimas deles, e eu já estava quase em desespero, e chorei com toda força que uma criança tinha pra que eles soltassem minhas mãos. 

     Essas coisas aconteceram por dias, e sempre que eu chorava, eu era mutilado nas costas,  queimado ou sofria algum tipo de tortura psicológica como ameaça de morte a minha família, o motivo de eu não dizer nada pra ninguém.  Doía, meu corpo inteiro doía, minha alma estava destruída e minha cabeça já tinha explodido. Agredi meus pais e todos naquela casa várias vezes, por que eu achava que sempre que alguém fosse me tocar, seria pra me machucar. Eu apanhava, era penetrado com objetos, me cortavam, me queimavam e eu nem se quer chorava mais. Eu não tinha mais o que chorar, já estava vazio, uma criança de quatro anos que deseja a própria morte já está em um colapso tenebroso.

     Eu achava que era culpa minha, que Deus não gostava de mim, que ninguém me amava. Eu tinha medo de alguém matar meus pais, meu irmão ou o Mayson. Eu tomava tantos banhos, que minha pele descascava de tão ressecada. Eu olhava pros adultos e via rostos distorcidos, eu não sabia o que era certo e o que era errado. Eu odiava ouvir "eu te amo" dos meus pais, eu tinha nojo do amor.  Um dia, finalmente minha mãe e meu pai descobriram, e minha dor física acabou, só a dor física. Depois disso, com cinco anos, entrei em uma profunda depressão, eu aprendi a fazer tudo só, eu evitava de todas as formas, ter pessoas perto de mim. Eu só saia do quarto quando precisava de algo com urgência. Quando adoecia, os médicos precisavam me fazer dormir com remédios pra que eu pudesse ser examinado.

     Eu não conseguia dormir, não gostava de me ver no espelho. Tinha pesadelos até quando estava acordado. Eu estudava em casa, eu lia sem parar eu fazia coisas o tempo todo dentro de meu quarto pra não ter que me lembrar. O sofrimento só aumentava vendo o sofrimento dos meus pais, de meu irmão e das pessoas ao meu redor, e sempre, pensava, que era culpa minha: por ter nascido.

    Já estava tão perturbado, que com 13 anos, eu me entupi de remédios, cortei meus pulsos e esperei a morte  chegar. Conseguiram me salvar, e mais uma vez voltei pro meu inferno pessoal. É uma dor que nunca passa, você sente como se uma bola de ferro esmagasse seu coração todos os dias, e ninguém nunca realmente entende como você se sente.

     
    Um dia, quando fui ao primeiro dia de aula na escola nova esse ano, eu estava apenas repetindo o mesmo processo de sempre só que dessa vez foi diferente. Eu me sentei, e a garota da minha frente se virou sorridente pra mim, era um sorriso luminoso que me fez sentir um estalo, e eu não sabia o por que. Automaticamente, fui grosso, tentei afastar ela de todas as formas, mas ela persistia.  Parecia que ela estava sempre tentando me compreender, e o mais sem sentido é que no fundo eu queria que ela me entendesse. Os dias se passaram e eu estava cada vez mais abrindo meu espaço pra ela, e pra outras pessoas. As coisas estavam cada vez mais diferentes e eu não sabia explicar o que estava acontecendo. Eu me apaixonei por ela, de alguma forma, eu confiava nela inconscientemente. Eu me sentia bem, ela podia me tocar, eu me sentia aliviado sempre que ela me abraçava. Ela chorou por mim, mesmo sem conhecer a dimensão da minha dor ela sempre me protegeu. Quando fico perto dela me sinto calmo, eu sinto que está tudo bem. 

    Saiu a notícia que meus agressores seriam soltos, ou pelo menos um deles, e mais uma vez eu entrei em colapso. Todos os esforços que fiz com Sam e os outros pra mudar se foram e a mancha negra da minha vida venceu da luz. No primeiro momento, um ódio tão grande me consumiu, e eu não pensava mais, eu só enlouqueci e quebrei tudo o que podia. Quando me cansei, foi como se minha consciência se desativasse e eu apenas fiquei ali, sem ação pra nada. Eu já pensava em me  matar mais uma vez, da forma mais rápida e menos dolorosa o possível. Eu iria me matar. Então, lá estava ela, com sua aura brilhante como da primeira vez em que à vi, bem na minha frente.  Finalmente respirei aliviado. Eu tive a certeza, que não importa o que acontecesse, se ela estivesse lá estaria tudo bem. Ela tornou minha vida menos dolorosa.

      Por alguns meses, a minha vida mudou completamente. Eu me tornei alguém diferente, eu aprendi o que significa realmente amar alguém. O amor não é nojento, as pessoas que são. Apenas pelo fato de amar ela, minha perspectiva sobre o mundo mudou. Quanto mais memórias felizes crio Junto à todos de quem gosto, as minhas tristes lembranças vão perdendo lugar. Eu não penso mais em como tudo acontecia comigo, eu só penso nela. Não importa, se eu não for amado da mesma forma, eu apenas quero ela perto. Não quero que ela se sinta obrigada a estar comigo, meu orgulho é muito grande pra querer alguém por perto por pena, então não serei ambicioso e vou me conformar com a única coisa que posso ter: sua amizade.

     Eu sou Ranz Kyle, e fui abusado quando tinha quatro anos pela minha babá e o namorado.

  Eu acredito, que as vítimas de abuso, assim como eu sabem o tormento que é. Como é querer desistir de viver. Mas eu não quero que elas desistam, existe um muro para nós, um muro muito alto que em certo ponto queremos desistir e nos soltar pra morrer na queda. Mas eu quero que elas continuem lutando, por que somente do outro lado desse muro, tudo de ruim que nos acontece finalmente será esquecido.  Existem pessoas boas, pessoas que nos amam e que sofrem conosco, é por isso, que quando não se tem mais forças precisamos nos forçar até depois do limite à continuar. A recompensa é sempre maior.

     Eu ainda tenho muito à escalar, eu ainda vou sentir muito essa dor até que ela seja esquecida. Eu sei que ainda vou sofrer, mas agora, eu não quero desistir eu quero continuar por aqueles que eu amo. Por mim.

      Esse ainda é o meu maior desafio!

     

Apenas Um ToqueOnde histórias criam vida. Descubra agora