capítulo- 68

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Ana:

      Coby faleceu Cinco verões após aquele baile. Lembro-me que todos se esforçaram pra fazer aqueles dias menos dolorosos.  Ele ficou em casa conosco até quando não dava mais pra levar. Nesse período, a Márcia teve um bebê, e aí sim não teve como
continuar. Quando chegamos ao terceiro ano, todos já deveriam ter em mente o que fariam de suas vidas quando a escola terminasse. Eu quase não consegui me formar. 

       Não tínhamos mais Jason controlando nossas vidas, as coisas pareceram melhorar. Ted deu um fim na história com aquela ruiva inconveniente, e estava sempre conosco.  As pernas do meu irmão já estavam começando a não funcionar, era difícil controlar cada passo, e só foi piorando, até o dia em que tivemos de lhe dar de "presente" uma cadeira de rodas.  Mesmo sendo uma criança adorável, ele odiou aquilo, foi muito difícil convencê-lo a usar.  Todos se juntavam, íamos a parques, fazíamos piqueniques, as vezes o doutor deixava fazermos festinhas pra divertir as crianças no hospital.   Mais tarde, os braços de Coby começaram a se atrofiar também, os dedos já mal se movimentavam. Ele amava desenhar,  retratava todos os seus sentimentos em seus desenhos, as paredes de seu quarto na nossa casa e no hospital eram cobertas por inúmeros desenhos coloridos, e aquela altura, ele nem se quer conseguia segurar um lápis na mão. Posso dizer, com clareza e toda certeza, que poucas foram as vezes em que o vi chorar, os que estavam ao seu redor derramaram muito mais lágrimas do que ele mesmo que estava sofrendo com a doença. Era uma criança forte.

       Mas as poucas vezes em que chorava, não era de tristeza, ele já havia se conformado que o cronômetro de sua vida estava ligado. Coby chorava de dor, passávamos madrugadas inteiras andando de um lado pro outro sem poder fazer nada vendo ele agonizar, sentia cãibras horríveis, e as vezes seu corpo inteiro ficava rígido, era desesperador. Mas sessões de fisioterapia ele se esforçava bastante, mesmo que só piorasse sempre dava o melhor de si.  Assim que o bebê dá Márcia chegou, tivemos alguns meses de alegria, Coby estava tão feliz com o novo irmãozinho. Era engraçado, por que o bebê as vezes chorava sem parar, mas quando colocavam ele perto de Coby, ele parava.  Deram o nome do pequenino de Dylan, por que era um nome que meu irmão achava legal. No aniversário de 1 ano de Dylan,  ele já não conseguia mover nada do pescoço pra baixo. Já estava com 11 anos, e nessa época ele fez uma amiguinha chamada Clhoe no hospital, ela era paciente terminal, tinha câncer avançado no estômago, infelizmente foi descoberto tarde. Era um ano mais velha que o meu irmão, e as vezes a gente brincava de que os dois dariam um belo casal.  Ela foi muito importante pra Coby, durante um ano e meio eles passavam praticamente todos os dias juntos. Houve um dia em que quase nos enlouqueceram. Não sabemos como, mas Clhoe conseguiu colocar o meu irmão em uma cadeira de rodas passou por todos os médicos, enfermeiras e seguranças sem ser vista e o levou até o telhado, eles passaram três horas ali até que finalmente alguém os achou e nos avisou, estávamos quase chamando a polícia. Na justificativa ela disse: " Eu só queria passar um tempo com meu novo namorado olhando as estrelas? Um casal aqui não tem mesmo privacidade?". Rimos tanto, mesmo depois do susto.

        Um dia, ela não veio mais, fui em seu quarto, e tudo já estava arrumando, não havia mais nada dela lá.  Fui até a recepção, perguntei por ela, seu nome estava na lista de pacientes falecidos.  Foi um período difícil, todos estavam muito abalados, mas meu irmão nem se quer chorou, ele se calou, passou quase um mês sem falar nada. Em seguida, ele foi parando de falar realmente, mas por que não conseguia mais controlar os músculos da boca. Pra se comunicar, usava um quadro de letras, e guiava as sequências com os olhos. Passávamos cinco minutos pra tentar formular pelo menos uma única frase de três palavras.  Essa altura ele já tinha 13 anos, todos os amiguinhos de escola dele vinham o visitar, estavam crescidos, eu imaginava como seria se Coby também pudesse ter tido uma vida normal como eles. 

      Nossas dificuldades aumentaram cada dia mais, tinha medo até quando ele comia. Se Sally não estivesse comigo naquele dia, teria acontecido o pior. Eu estava dando comida a ele, mas em um momento ele não conseguiu engolir e começou a engasgar e ficou sem respirar. Entrei em pânico e não sabia o que fazer.  Sally se levantou correndo da cadeira,  pegou-o pelas costas e apertou sua barriga com força até ele expelir a comida pra fora.   O médico decidiu que era hora de começar a fazer alimentação enteral, um tubo nasogástrico foi inserido levando líquidos com nutrientes até seu estômago. A essa altura,  eu via que ele já estava querendo nos dizer adeus.  Sam deu a idéia de levarmos ele para passar um tempo na praia. Foi muito difícil convencer o papai e a Márcia a deixar e a pedir autorização do médico.  Mais difícil ainda foi o médico dar a autorização, por que qualquer complicação poderia ocorrer inesperadamente, e nas condições de Coby, se não fosse atendido na hora, era difícil salvar sua vida, ou o restinho dela.  Mesmo assim conseguimos.  Foi uma tarde divertida, e feliz, uma das últimas memórias felizes que tivemos com ele. 

        Duas semanas depois, ele já não respirava sozinho. Vários aparelhos foram ligados ao seu redor para mantê-lo respirando. Seus olhos ainda  se moviam, e ele sempre prestava atenção em tudo que acontecia ao seu redor. Márcia sempre trazia Dylan pra ficar com Coby, e contava histórias, cantava com aquela linda voz. Os outros sempre arranjavam tempo pra vir pro hospital. Ranz trazia o cachorro dele, antes de ficar tão debilitado, Coby adorava brincar com aquele pulguento.  Cinco meses depois, um dia, ele não abriu mais os olhos, graças aos aparelhos ele ainda estava "vivo", mas não abria mais os olhos. E nunca mais abriria.  Faltava pouco tempo pra seu aniversário de 14 anos, papai decidiu que queria esperar passar seu aniversário, e depois decidiriamos o que fazer.  Não sabíamos se o materiamos daquele jeito até que nem as máquinas resolvessem, ou se desligar seria menos doloroso, por que mesmo naquela cama, ele ainda estava lá. Ou não... Eutanásia é a decisão mais difícil que se pode tomar a respeito dá vida de alguém. Nenhum daqueles que passaram cinco anos ao lado de Coby sabiam dar uma resposta, ninguém sabia escolher. Dois dias antes dá data de seu aniversário, as nove e meia da noite, a máquina que contava seus batimentos parou.

Coby havia falecido dois dias antes de completar 14 anos.

      A imagem que passou na minha cabeça naquele momento, foi a primeira vez em que o vi, quando papai o trouxe do hospital, colocou-o no berço e depois me levantou pra eu poder ver ele.

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