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Ariana
Os pingos de chuva escorrem pelo vidro da delegacia, enquanto alguns policiais vão e vem, ocupados com seus afazeres sem se darem o trabalho de encarar a adolescente recém-orfã, enxarcada devido á chuva, sentada no banquinho esperando que alguém a olhe com pena e decida o seu destino. Conhecida como Ariana Grande Butera, vulgo eu mesma.

Não me pergunte o que aconteceu, por que até agora eu não sei responder á essa pergunta. Foi tudo tão rápido, luz, gritos, e sangue. Ora, porque as pessoas insistem tanto em dirigir se não conseguem manter a merda do carro no seu devido lugar? Era uma curva. Apenas a droga de uma curva, e o imbecil do caminhoneiro não teve a capacidade de fazê-la direito, amassando o carro dos meus pais.

Os coitados nem tiveram como reagir, foi tudo tão rápido. E flashes do acontecido ainda atormentam minha mente, impossibilitando-me de conseguir sequer fechar os olhos. Estou morta de cansaço, quero dormir, mas não consigo. Nem conseguir chorar eu consegui. Ainda estou em estado de choque; provavelmente quando amanhecer, alguém vier me buscar e eu me der conta de que não serão meus pais, a ficha caia. Mas até lá, eu não conseguirei soltar uma lágrima sequer.

A policial que me resgatou, é bastante gentil, Louise é o seu nome. Seus cabelos são curtos e castanhos; seus olhos são da cor do cabelo. A farda da polícia realça suas curvas. O que me deixa bastante fascinada. Quer dizer, o uniforme é feio, mas nela fica tão lindo. Seus lábios estão cobertos por um batom vermelho, e seus dentes são impecávelmente brancos. Um verdadeiro paraíso para dentistas.

Meu iphone estava intacto, com apenas um arranhão na tela, mas nada que uma ida ao shopping não resolva. Que filha insensível eu sou, meus pais mortos e eu aqui, pensando em shopping. Mas como disse anteriormente, a ficha ainda não caiu então não importa quantas milhares de pessoas vierem jogar na minha cara que meus pais estão mortos, eu não acreditarei nelas.

Enquanto espero a policial decidir a minha vida, eu passo os dedos entre meus longos cabelos. Eles estão realmente gigantescos, e eu não tenho coragem de cortá-los. Minhas botas de salto alto que antes eram rosa bebê, agora estão manchadas com respingos de lama e de sangue. Não o meu sangue, claro, o sangue dos meus pais, de quando a parte de frente do caminhão esmagou seus pequenos e indefesos corpos. Pesado, não é? Pois é esta cena que se repete várias vezes na minha cabeça. É esta a cena que me impede de descançar. E é esta a cena que me assombrará pelo resto da minha vida.

O cara lá de cima não teve dó de mim, quando me permitiu ver esta cena horrorosa, então eu não terei dó de contar detalhe por detalhe á todo ser humano falso e desprezível que fingir se importar com a filha de um dos casais mais ricos do país. Claro que a herança deles ficou toda para mim, uma adolescente de dezesseis anos, mimada como dizem os outros. Esses outros aproveitarão do meu momento de fraqueza, para se aproximarem como meus amiguinhos, para que eu caia na deles, assim dando acesso livre á todos os milhões que agora estão indo para a minha conta.

Eu não ligo para nada disso. Na verdade, não estou ligando para merda nenhuma. Eu só quero apagar este dia da minha memória e fingir que nada aconteceu. Ir pra casa e pedir á governanta que prepare meu suco de manga com gelo e pouca açúcar, como eu gosto. Conversar com as garotas que dizem ser minhas amigas mas que até agora não me deram um telefonema, perguntando como eu estou, enquanto ouço meus pais brigarem no andar debaixo, sobre traição.

A vida é assim senhoras e senhores. Como um truque de mágica; distração para ser mais específica. Para um mágico realizar seu truque com sucesso, ele faz com que seu público foque toda a sua atenção onde ele quer, enquanto a mágica acontece. Assim somos nós; focamos nos sorrisos falsos das pessoas, ao invés de olharmos nos olhos delas, onde elas pedem socorro. Estão chorando por dentro, mas ninguém vê. Abracadabra.

FIX MEOnde histórias criam vida. Descubra agora