- Mamãe estava doente, ela teria que sair do emprego, e se internar. Mamãe teve um colapso nervoso. - Acho que a barra ficou muito pesada pra ela...Trabalhar, sustentar dois filhos...Foi dureza pra ela...- O quê fazer com esse menino? A família achou que era hora de me colocar num colégio interno. - Mamãe estava prostrada...Doente e sem ação. - Falaram pro general arrumar uma "boa escola pra mim". - E o general prontamente me colocou numa "boa escola". - A "boa escola", era numa colônia agrícola, na cidade de Vassouras, no estado do Rio. - Era tipo uma Febem, lá haviam meninos criminosos, e meninos que as famílias colocavam lá, (por que não tinham condições financeiras pra sustentá-los). - Eu nem me lembro quem me levou... - Eu devia ter uns dez anos, não mais. - A sensação de abandono que eu sentia, era enorme. - Logo no primeiro dia, eu conheci um garoto, ele era mais velho, devia ter uns quatorze anos. - Lembro-me, como se fosse hoje, ele me disse: - Esse lugar é muito perigoso, aqui você tem que ser esperto, e lutar pra sobreviver. Os maiores, vão tentar judiar de você. - Hoje vai ser sua primeira noite aqui, e eles vão tentar estuprar você...- Eu perguntei, o que é estuprar? Ele me explicou, eles vão tentar comer o seu cu (???). Eles fizeram isso comigo... - Eu vou tentar ajudá-lo. - Esse noite, você não pode dormir, de jeito nenhum. - Eu vou alojar você do lado da minha cama. Vou proteger você. - Eles tem medo de mim. Eu já passei a faca em alguns deles... - Eu fui dormir (me deitei), apavorado. Os caras vieram a noite, e ele disse: - Vazem daqui, por que eu vou passar vocês na faca. -O garoto é meu primo, e quem mexer com ele, tá mexendo comigo. - Ali era o inferno. Na hora da comida, os caras serviam numa bandeja, e os mais velhos vinham, e roubavam a carne, o que tinha de melhor. Os instrutores, faziam que não estavam vendo nada... - Nós, os menores, passávamos muito apuro naquele lugar. - As aulas de agronomia (noções), pela manhã. Horta, chiqueiro, capinar, plantar. A tarde era escola. - O meu amigo me ensinou a pegar a comida, (carne com osso), esconder num papel, pra comer depois. O osso, a gente roía, até sumir. - Me ensinou também a roubar batatas doce da horta, e comê-las cruas. Eu aprendi a comer as coisas cruas e com as cascas. Roubava, bananas, pimentões, repolhos, cenouras, milho verde. E comia tudo cru. Meu amigo me explicou também, que eu precisava ficar forte. Lá, eram facções que mandavam. - Meu amigo me fez uma faca, com a tampa de lata de goiabada. Um lado era enrolado, e o outro, afiado. Ficava uma lâmina tipo uma meia lua, e aquilo cortava muito. Dava pra cortar um pescoço, facim, facim, facim. - Ele disse: - Nunca deixe sua arma longe de você. Durma com ela, acorde com ela. Você nunca sabe quando vai precisar dela. - Nos dias de visita, eu ficava ali, esperando a minha mãe, mas ela nunca vinha... - Eu chorava de saudade. - Um dia, (de visita), ele me apresentou a mãe dele. - Era uma senhora muito boa. Ela era da Assembleia de Deus. - Eu passei a ficar com eles. Sempre que ela vinha, mandava me chamar. Eu comia aquelas guloseimas com ele. - Mas a saudade de minha mãe, era muito grande. - Ali eu me tornei o menino triste, o menino sem mimo. - Um dia meu amigo veio e me avisou: Fique esperto, por que fulano jurou você. Eu posso não estar perto, fique esperto... Ele havia me ensinado a brigar, a lutar. - Dizia que a gente precisava usar o fator, surpresa, e nunca deixar o inimigo ficar muito próximo. - (Eu usei essa técnica pelo resto da vida, e sempre me dei bem). - Ele dizia: - Mesmo que você sinta medo, tome sempre uma atitude, tome sempre a frente. - Um dia, eu estava passando mal, (dor de barriga), e pedi pra ir ao banheiro... - Fui, fiz as minhas necessidades, e quando olhei, estava o cara no banheiro... - Ele disse: - Eu vou comer você e depois vou matá-lo. - Eu tremia muito, ele trancou a porta do banheiro e se aproximou... Eu saquei a minha faca, mostrei pra ele, (ele ficou surpreso), deu um sorriso de deboche e partiu pra cima. - Eu me lancei com a faca pra cima dele, ele deu uma porrada no meu braço... - Eu havia perdido a faca, ela voou longe... - Meu terror era paralisante, eu só tinha as mãos agora. - Meu amigo havia me ensinado um golpe, com as duas mãos, debaixo pra cima, pegando no queixo. - Sei lá que porra era aquela, um jab, um cruzado... Eu sei que parti pra cima do cara, feito um demônio furioso, e acertei ele. - Ele desabou, (parecia um filme em câmara lenta). Merda é que ele bateu com a nuca, numa daquelas pias e ficou ali, desacordado. - De repente, eu vi o sangue, que saía da cabeça dele, formando uma poça, naquele ladrilho branquinho...- Eu tremia tanto, todo o meu corpo, eu não conseguia ficar em pé... - Primeiro pensamento: - FUGIR, fugir daquele lugar. - Me embrenhei no mato. - Precisava colocar os pensamentos em ordem. Eu acabava de matar um menino. - Eu sabia que não poderia ir pela estrada. Os caras me pegariam... - Eu optei pela linha do trem. - Fui seguindo pela linha do trem, não me lembro de quantos dias eu caminhei... - Quando dei por mim, já estava no Rio. - Com fome, frio, e doente. - Consegui chegar no Catumbi, onde mamãe havia alugado um quarto. - Ela me viu, arregalou os olhos. - Eu só consegui dizer: - Mãe, mamãe... E contei tudo pra ela...- Ela me abraçou, me apertou, e chorou comigo. - Dias depois apareceram uns caras lá em casa, perguntando se eu havia estado por lá. - Minha mãe disse que não. Os caras contaram tudo pra ela. - Ela perguntou: - E o menino? - Eles responderam que ele estava bem. Mas que havia sido transferido de lá, por que era um menino muito mau, (já havia matado algumas pessoas). Essa foi a história da "boa escola", que o general me arrumou. -Tempos tristes.