É complicado ficar velho, a gente esquece o nome das pessoas. Mas a menina da pensão sempre estará nos meus pensamentos. Eu frequentava aquele lugar, na hora do almoço, a comida era farta & barata. Eu tinha uma compulsão por comida, naqueles tempos. Eu comia tipo um camelo, guardando calorias para os dias ruins. Ela era bonita, meiga & educada. Depois de certo tempo, parou de me cobrar o almoço. Eu ia pagar e ela não aceitava o meu dinheiro. Aquela pensão ficava no centro velho do Rio, acho que na rua do Lavradio. (Aquilo foi tudo demolido, eu imagino). Naqueles tempos meu dinheiro era curto, e eu só podia fazer uma refeição por dia. Eu passei um "tico" de fome, naqueles tempos. Jovem tem muita fome...Quando me sobrava um dinheiro, eu ia no Bob's, lá da Avenida Rio Branco, e caía matando nos sanduíches de salada de atum. As vezes, eu ficava um tempo, sem ir comer na pensão, eu ficava com vergonha, de não pagar. Quando a menina da pensão me via chegar, ela se abria num sorriso, ficava feliz. A gente não conversava com palavras, só com sorrisos e sinais. Ela gostava de mim, a menina da pensão. (Eu era tão jovem, tão perdido nas minhas coisas, meus pensamentos, nas minhas inseguranças). Nós tínhamos um ritual, eu chegava no caixa, pra pagar a conta, ela pegava na minha mão, apertava, mas não recebia o dinheiro. Certo dia ela disse: - Vem a noite, pra gente conversar... - Eu queria muito conhecer você, saber da sua vida... - Logo que anoiteceu eu cheguei lá. - A menina da pensão estava bem arrumada, cheirosa, linda. Nós saímos de mãos dadas, passeamos, nos beijamos, namoramos...- A menina da pensão me transmitia uma ternura muito grande. Dava para sentir, que ela era uma garota vivida, já conhecia a dureza da vida. Mas tinha um coração muito bonito, muito lindo. Ajudava os pais naquele serviço, (devia acordar de madrugada, para ajudar na cozinha), tinha as mãos ásperas, de quem não tem medo do trabalho. Eu deixava a menina em casa, lá pelas vinte e duas horas da noite, e vinha me cagando de medo, (aquelas ruas eram escuras)...Naquele centro velho, se dizia que apareciam muitas "assombrações", eu me cagava de medo de assombração. (Eu vi algumas, nesse mundão de Deus). Vi em Minas, vi em Santa Teresa. Vi escravos, vi mulheres com roupas do século dezoito. Eu tinha medo, hoje não tenho mais, hoje eu converso com os meus fantasmas... Fico me perguntando o que terá acontecido, com a menina da pensão: - Será que se casou? - Constituiu família? Penso nela sempre, com muita ternura... Eu era tão jovem...Tão sem experiência da vida, tão precisado de amor... Eu não sei por que essas lembranças me visitam, talvez seja a minha solidão, nesses tempos atuais...Talvez seja um desejo inconsciente de voltar no tempo, de realizar coisas que eu não pude realizar. Talvez seja a vontade de me sentir jovem de novo, de ter aquele vigor da juventude, onde a gente se atirava, sem temer as consequências, sei lá...- Menina da pensão, aqui fica a minha homenagem a você, que tantos momentos bonitos me proporcionou... - Beijos.