Eu estava voltando do trabalho, era final de tarde, calor insuportável. Desci do metrô na estação, Belém, (ou Tatuapé), não me lembro ao certo. Ainda teria que pegar o ônibus integração, para chegar em casa. Eu só queria tomar um banho gelado e descansar. Quando vejo o tamanho da fila... Me dá até tristeza, a fila estava enorme. Eu gostava de viajar sentado, teria que ter paciência...- Atrás de mim, na fila, havia um cara que eu conhecia só de vista. - Eu sabia quem ele era, ele era um daqueles caras que mandavam no comitê político do bairro. Era comunista da velha escola, fazia um trabalho de conscientizar as pessoas pro partido dele. Começamos uma conversa fiada, só pra passar o tempo. - Mas o sujeito não perdia a oportunidade de enfiar a doutrina dele goela abaixo da gente. Começou a ladainha. - Marx, Engels, Trostysk, aquela coisa toda... Eu já era "puta velha" nesse tipo de conversa, (estava cansado, suado & louco pra chegar em casa). Não contente, ele começou a falar de religião, meter o pau nas religiões. _ Aquilo era o ópio do povo, e coisa e tal. - Por que na União Soviética não tinha mais essas merdas, e coisa e tal...- Meu, eu tinha lido o manifesto comunista, e um monte de livros doutrinários, (só não tive saco de ler o Capital, - ninguém merece ). - Li essas coisas na casa do meu irmão, (ele tinha toda essa literatura lá). - Meu, aquele cara era um "saco". Entramos no ônibus, ele se sentou ao meu lado e continuou a cacarejar aquelas merdas todas. - Eu só dizia que sim, com a cabeça, e não via a hora de descer daquele ônibus. - Quando ele dava uma pausa, eu suspirava de alegria... Nesse meio tempo, eu me "toquei" que o motorista estava correndo muito. - Fiquei um pouco apreensivo, resolvi prestar mais atenção na viagem... - O cara estava correndo muito, o ônibus sacolejava, tremia, cantava os pneus. - Me deu um pouco de paúra. - Quando chegamos perto do Cotonifício Guilherme Giorgi, eu já estava segurando no "puta que pariu", com os dois braços... - E o cara naquela lenga lenga.. -De repente estourou um dos pneus, o ônibus começou a ziguezaguear, ia pra lá ia pra cá...- A nossa frente tinha um poste, eu pensei: - Nós vamos bater no poste, ou vamos capotar.. - Só me lembro que pensei: - "Não Deus, hoje não". De repente o "ateu" grita: Ó meu Deus, ó meu Deus... - Aquele grito saiu de dentro dele, mas com uma intensidade muito forte, foi uma coisa gutural... - Milagrosamente o ônibus foi parando, parando, e por fim, ficou extático. - Eu respirei fundo, saí do ônibus, ele atrás de mim... - A primeira coisa que me veio a mente, foi perguntar a ele: - Você é ateu de que igreja? - Mas resolvi me calar, acho que ele era ateu só uns 50%... . - E compreendi que na hora da morte, até os "ateus" clamam, por Deus... - Foi isso que aconteceu.