" O dia que eu saí de casa "

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 O dia que eu saí de casa.- (Parece até música do Zezé di Camargo & Luciano). Mamãe havia se casado com um senhor português, professor, e viemos morar com ele em São Paulo. Ele era uma alma muito boa, que Deus o tenha. Mas tinha filhos infernais, maus, truculentos & traiçoeiros. Nós fomos morar no bairro do Belenzinho, na rua Julio de Castilhos, bem do ladinho daquele grupo escolar. O professor tinha seis filhos, morando com ele, e mais um casado, todos adultos. Eu estranhei muito, aquele ambiente. Estava acostumado com minha vidinha de garoto no Rio. Tinha toda a liberdade, ia à praia, soltava pipas, essas coisas que moleques gostam de fazer.  Mamãe fazia tudo para agradá-los, cozinhava, dava aulas, cuidava da secretaria, varria a escola... Tadinha, (ela não sabia, mas eles faziam pouco dela, debochavam dela).  Mamãe era surda, ainda não havia conseguido comprar o primeiro aparelho auditivo dela. Mas eu não era surdo, e ouvia aqueles deboches todos.  Eu gostaria que você imaginasse, por apenas um momento, se descobrisse que as pessoas estavam "zuando" a sua mãe...Sentiria raiva, ódio, não é? Pois era exatamente isso que eu sentia. A gota d'água, foi quando eu vi a filha dele cuspindo, escarrando, numa salada que minha mãe havia feito. E todos eles rindo, debochando... Eu resolvi ir embora, fugir daquele lugar...(Eu acho que tinha quinze, pra dezesseis anos, molecote de tudo). Resolvi "cair no mundo", eu que não conhecia nada do mundão de Deus, nada da vida. - Eu disse: - Mamãe, amanhã cedinho eu vou embora... Vou voltar para o Rio. Minha mãe arregalou os olhos e disse: - Como ? Eu não vou deixar você ir, você é menor de idade. - Eu disse: - Mãezinha, se a senhora não me deixar ir, eu vou fugir, eu estou decidido. Ela disse: - Então eu vou com você... - Não mãe, fica aqui, acho que a senhora vai conseguir ser feliz aqui, a senhora e o seu Francisco. (Depois que a filharada casou, o casal viveu, por muitos anos juntos, felizes).  Cedinho, no outro dia, eu peguei uma malinha, daquelas de papelão, coloquei minhas roupas dentro e fui saindo. Mamãe e seo Francisco estavam me esperando. Tentaram me convencer a ficar, mas eu bati o pé, e disse que ia embora. Minha mãezinha tirou umas notas do bolso e me entregou. (Eu estava dando uma de "durão" ali, mas na verdade, eu queria agarrar minha mãe, e ficar juntinho com ela). Peguei o dinheiro e saí vazado dali. Depois de andar quase um quarteirão, olhei para trás e estavam os dois de mãos dadas, mamãe estava chorando. Já embarcado, dentro do Cometa, comecei a sentir medo & saudade da minha mãezinha.  Eu gostaria que aquele ônibus nunca chegasse no Rio, que acontecesse alguma coisa e eu pudesse voltar pra minha "casa".  Mas eu não tinha mais casa, eu agora, era apenas um menino, sem mimo, jogado no mundo...Quando eu desembarquei na rodoviária Novo Rio, eu tomei consciência: - Eu não tinha para onde ir...E agora?  Peguei um ônibus e fui lá pra Lapa.  Essa noite, eu me lembro bem, fui dormir lá no monumento aos mortos da Segunda Guerra Mundial. Cedinho eu acordei, tomei uma média com pão & manteiga, e fiquei sentado na praça Paris. Na noite seguinte, eu dormi numa hospedaria, lá na praça Tiradentes. Aluguei um quartinho na Lapa, e fui trabalhar de servente de pedreiro...Os caras me mandaram embora, por que eu era muito fraquinho, e não conseguia carregar aquelas latas pesadas...(Eu me lembrava da minha mãe, e chorava de saudades, mas havia feito o propósito de me virar, me transformar num homem de verdade). - Foi muito difícil, os primeiros meses, eu "camelei" muito. Hoje eu olho pra trás, me lembro dessas coisas todas, e acho que fiz o certo. Aos sessenta e três anos, eu posso dizer o seguinte: - Eu ganhei o mundo, ele não me ganhou. - Beijos, minha mãe, onde a senhora estiver, eu sempre irei amá-la, enquanto viver. Ciao bambinos.

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