Eram umas duas horas da manhã, aproximadamente. Noite gelada, inverno paulistano dos bons. Ele andava para lá & pra cá, perdido naquele apartamento. Solidão batendo implacável, depressão, sentimento suicida, batendo, eventualmente... Ele resolveu sair, bater pernas pela cidade. Se agasalhou bem e saiu. Lá fora havia um "fog", uma névoa daquelas que se vê em Londres, macabra & depressiva. Andou por um tempo, absorto em pensamentos e lembranças, (lembranças que faziam questão de perturbá-lo, de incomodá-lo). Fazia um bom tempo, que ele já estava arquitetando o suicídio, quem sabe hoje tomaria coragem, e daria o passo derradeiro ? Cumprira com todas as obrigações, de pai, esposo, de patrão... Mas nessa noite, precisamente nessa noite, ele se sentia no ocaso da vida. Havia saído sem destino certo, (nunca tivera coragem de fazer isso), andar a esmo pela cidade, na madrugada. Ele acordara se sentindo velho...(Tem certos dias que as pessoas se sentem velhas, cansadas)...Durante o correr do dia, ele disfarçou, se distraiu no trabalho, com os amigos. Fez happy hour e tudo mais. Mas essa madrugada, as coisas pesaram, os sentimentos ruíram com toda esperança que poderia haver, naquele velho/jovem coração. (Ele já andara bastante, nem se dera conta da garoa, que caía, bem fininha). Avistou a mulher, encostada no poste, bem agasalhada, fumando um cigarro... Seria uma prostituta? Ela era elegante, (não usava aquelas roupas chamativas, de puta). Tomou coragem & aproximou-se, (nunca, em toda sua vida, havia conversado com uma puta). Ele queria apenas alguém para conversar, mesmo que tivesse que pagar. Perguntou o preço e ela disse: - Mil reais, mais o local... Ele retrucou: - E para transar & conversar? Ela rapidamente respondeu: - Mil e quinhentos, mais o local...- Ela então perguntou: - Você sempre contrata as putas para conversar? Ele disse: - É a primeira vez na vida, eu nunca me relacionei com prostitutas... Eles pegaram um táxi e foram para o Hilton, lá no final da Ipiranga. Chegando no hotel ele preencheu a ficha, pediu que mandassem uma garrafa de "Old Parr", e porção dupla de algum tipo de queijo. Já no apartamento, despiram-se e deitaram-se. Ela era uma moça muito bonita, as roupas eram de bom corte, tinha mãos bem cuidadas, cabelos também. O perfume que ela usava era de muito bom gosto. Ele pensou: - Essa mulher é uma puta diferenciada... Começaram a conversar, ele contou as coisas da vida dele, havia tido três filhos, duas moças e um rapaz. Tinha uma empresa, não era rico, mas vivia bem. Disse que era viúvo, foi fazendo a "catarse" dele. Ela, como boa analista, ouvia tudo, tranquilamente. Entre rodadas & rodadas de "Old Parr", a conversa foi ficando mais descontraída, (não fizeram sexo, até ali, só conversaram). A certa altura da conversa, ele perguntou? - Você não é prostituta de verdade, não é? - Ela respondeu que não era, fazia aquilo apenas por vingança. (?). Então ela explicou: - Eu sou casada com um homem que não me respeita, para ele eu sou apenas sua propriedade. - Me maltrata...- Eu tenho duas filhas lindas, ela disse. - Eu moro no Jardim América, tenho propriedades no Guarujá, em Campos do Jordão - Sou da sociedade paulistana.. - Mas como vingança? - Ele perguntou...- Quando eu não aguento mais, eu saio para dar para o primeiro que aparece, é a minha forma de vingança. Depois, quando chego em casa, ele me possui, mas não imagina que eu já fui de outro... ...Eles se abraçaram, (por fim), e adormeceram... Ao acordar, eles fizeram amor, riram, (já havia uma cumplicidade entre os dois). Tomaram banho juntos, amaram-se de novo... Finalmente, pediram o café no quarto... Na hora da despedida ela devolveu o dinheiro para ele. - Ele perguntou o porque daquilo, e ela respondeu: - Hoje, com você, eu não fui puta, fui apenas uma mulher, pegue o seu dinheiro... Abraçaram-se, se beijaram & sumiram nessa Paulicéia louca. - Foi isso.