"Tempos feios de ditadura militar. Eu estava em Santa Teresa curtindo discos de rock com os amigos, e bebendo as coisas que eles tinham lá. De repente o buchicho... Os militares estão fechando o bairro. Vão fazer uma varredura...Eu morava na Bento Lisboa, no Catete, (era um "estirão" até lá). Saí e fui descendo o bairro, e era milico pra todos os lados. Naquela noite eu senti medo... (O menino valente se cagou de medo). Não que eu fosse um "suberva". Mas não era nada agradável ser pego pelos milicos. Não havia condução, não havia viva alma nas ruas...(Existia um tipo de toque de recolher naqueles tempos). Um estado de sítio meio camuflado... Naquela noite o menino valente teve medo. Sentei-me e chorei...Chorei todas as lágrimas, das saudades de casa, das minhas infelicidades mais escondidas. Da minha coragem mentirosa. Fiquei ali, quietinho, escondido nas sombras da noite. Lembrei-me das palavras da minha mãe: - "Seja sempre sincero, coloque a verdade acima de tudo, e as coisas darão certo". Eu tinha um número de telefone, e resolvi ligar. Naquela época, era difícil de se encontrar um telefone público. Telefone era coisa rara... Eu saí procurando e achei um na rua, (não me lembro o nome da rua), mas era lá em cima, nos Dois Irmãos. Liguei a cobrar...Telefone tocou, tocou e nada, eu já estava quase desligando, e ela atendeu, sonolenta...- Eu disse, sou eu... Ela com aquele sotaque francês...- Quem é?- Eu o Alex. Ela deu um suspiro suave, e perguntou de novo, é você mon petit? - Sim.- Contei dos meus apuros, dos meus medos e comecei a chorar...Soluçar...(Ali o menino valente se revelou)....Um menino medroso, triste, assustado. Contei tudo, todos os meus terrores...Ela disse: - Pega um táxi e vem pra cá...Não havia táxis aquela hora, não havia dinheiro também... E aquele anjo me disse assim: - Eu vou buscar você aí, me espere. Eu ainda perguntei, e os seus pais? E ela me respondeu que eles estavam viajando a trabalho. Em tempo: Ela era filha do cônsul, dum país de língua francesa. Eu expliquei onde estava, e fiquei aguardando. Passado uns trinta minutos apareceu um Citroen Cara de Sapo, do corpo diplomático, e eu entrei rapidinho nele. Na frente iam, uma matrona gorda e um jovem motorista branquelo. Atrás estava ela, de olhos arregalados, assustada. Ela me abraçou, me apertou com carinho, querendo me proteger de todas as maldades do mundo. E nos beijamos, (na realidade, eu não estava muito nesse clima de beijos). Ela era mais velha que eu, acho que tinha uns 25 anos, Eu era um meninote ainda. Chegamos no consulado e o carro parou num anexo, e ela me empurrou rapidamente pra dentro e disse preu ficar quietinho. Voltou com um lanche, me lembro ainda hoje. Tinha croissants requentados, tinha aquele pão doce que matou Maria Antonieta, brioche, tinha sucos e geleias. Depois me colocou na banheira, me deu banho, (sempre me chamando de mon petit, mon amour). Nos deitamos e fizemos amor. No dia seguinte, me deu dinheiro e me mandou pra São Paulo. (Eu senti ali, que nunca mais veria aquela garota). Soube depois que ela havia se casado com um "figurão" do governo do seu país... (Eu fiquei em casa, em Sampa, até a coragem voltar). - Voltei ao Rio um mês depois...