" Meu amigo Judeu " - (Parte II)

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 Depois que o seu Anton já havia me ensinado muitas coisas de vendas, ele resolveu me soltar. - Resolveu cortar o cordão umbilical. - Daí aconteceu o inevitável, (eu não conseguia vender, tinha vergonha, insegurança). - Ele nunca me cobrou nada, eu ia até a empresa, tomava o meu café da manhã, (pago por ele) e saía pra vender...- Não tinha coragem de chegar nos clientes.  Voltava na hora do almoço, ia comer aquela sopa, e subia para o escritório. - Seu Anton perguntava: - Como foi sua manhã, meu filho, conseguiu fechar alguma coisa? - Eu dava uma desculpa, envergonhado, (ele sabia que eu estava tentando enganar ele). - Mas quem enganava um judeu esperto daquele? - Um certo dia, eu já cansado daquela situação, me decidi.:  - Hoje eu vou vender qualquer coisa! Nem que seja um simples grampeador...- Me sentia deprimido com aquela situação, estava enganando o meu amigo. - O nosso escritório era próximo da Praça Tiradentes, dali saíam muitos ônibus, eu entrei no primeiro que vi. - Eu não me lembro que bairro era aquele, (acho que era Bonsucesso). - Rodei por lá, sem rumo, até chegar num lugar que tinha uma placa. - Estava escrito: - Atendemos vendedores às segundas, quartas e sexta feiras, no horário comercial. - Era uma empresa grande, da área de oxigênio, White das quantas. - me dirigi à recepção, falei com a moça, ela mandou que eu me sentasse e aguardasse ser chamado. - A minha volta só tinha aqueles caras engravatados, (vendedores profissionais). - Sentei minha bunda numa cadeira e fiquei aguardando. - Eram mais ou menos, umas nove horas da manhã. - Eu suava frio, minha mão estava gelada, eu queria que ninguém me chamasse. - Eu queria que o tempo parasse, (mas o tempo não pára - parafraseando Cazuza). - Na verdade, eu queria sair correndo daquele lugar, mas parecia que eu estava grudado naquela cadeira, minha bunda havia se fundido naquele móvel. - De repente notei que não havia mais ninguém, eu estava só, naquela sala...- Já passava das treze horas...- A moça falou: - Pode entrar, ele está lhe esperando...- Senti vontade de cagar, de tanto medo. - A sala do cara era um luxo só. Eu fiquei deveras intimidado. - Ele disse: - Entra menino. - Eu entrei, cumprimentei, e fiquei ali travado. - Acho que ele sentiu pena de mim. - Disse: - Qual é a sua empresa? - Eu disse o nome. - Ele disse, eu atendo empresas dispostas a participar de nossas concorrências & tomadas de preço. - Você sabe o que é isso? - Eu respondi que não. - Ele disse as palavras mágicas: - Você está com fome? Está com sede? - Naquela época, eu sempre estava com fome & sede...- Respondi que sim. - Ele chamou a moça e disse: - Trás uns sanduíches e uma jarra de suco. - Mandou eu comer e falou: - Conta a sua história. - E eu contei a minha história, como saí de casa, como eu havia visto a enteada da minha mãe cuspir na comida. Contei da minha tristeza de ter abandonado a minha mãe e vindo pro Rio. - Disse das minhas dificuldades, a minha luta pra sobreviver, aquelas coisas todas. - Vi uma lágrima furtiva escorregar dos olhos daquele homenzarrão. - Daí ele me falou da vida dele, que havia vindo do interior de Minas, que a família dele era muito pobre. -Disse que lutou muito, trabalhou, estudou, sofreu muitas humilhações. - Hoje ele era o diretor nacional de compras, daquela empresa. - Enquanto ele falava, eu devorava os sanduíches e enchia a boca de suco, - De repente ele disse: - Me dê o seu talão de pedidos... - Começou a escrever, escrever, enchia uma folha, mais uma, mais uma. - Aquele cara encheu umas dez folhas, carimbou, assinou e disse: - Manda o seu patrão me ligar. - Apertou a minha mão. Algumas lágrimas caiam do rosto dele, ele não disfarçava mais... - Eu saí dali, minha vontade era gritar de alegria. - Havia tirado o meu primeiro pedido. - Nunca mais me esqueci desse cara. - Chegando na empresa eu entreguei o pedido pro seu Anton, ele arregalou os olhos, disse, eu não falei? - Ele estava sentindo orgulho de mim. - Naquela quinzena eu fui o cara que mais vendeu. - A comissão era graúda. Seu Anton me deu um adiantamento. Foi muito bonito. Nas reuniões de venda ele dizia: - Vocês precisam aprender com esse menino...- Eu memorizei todas as emoções daquela venda. - Daí em diante, em todas as empresas em que eu trabalhei, eu fui campeão de vendas. - Esse foi o meu primeiro pedido.

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