" Histórias da Zona Leste "

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 Era sábado pela manhã, tipo umas oito horas. Estavam batendo na nossa porta, eu estava numa ressaca brava. (Havíamos passado a noite no bar do Diamantino, comendo bife à Parmigiana & tomando cervejas). O bife do Diamantino, (salvo as devidas proporções), não ficava nada a dever, ao do Bar do Alemão, em Itu. Éramos, eu, a Nê, e acho que a Su & o Rubão). Eu saí de lá tão "trêbado", que torci o pé, e nem sei onde. Mas voltando a ópera do malandro, eu não conseguiria abrir a porta. Apenas imaginei: - Os "testemunhas" agora estão vindo aos sábados? Estão antecipando o expediente? Nê foi abrir a porta. Véio, era um cara que morava no bairro, e trabalhava numa firma em que eu havia feito uma entrevista. Eu nem me lembrava, mais dessa entrevista, havia estado lá no mês anterior. O cara disse pra Nê que o diretor de RH gostaria de falar comigo na segunda feira próxima. Havia agendado para às dez horas da manhã. - Charlie, eu estava desempregado, queimando o meu fundo de garantia, com uma celeridade impressionante. Precisava urgentemente repor o meu caixa... - A empresa ficava no jardim Iguatemi, era grande pra dedéu. Os caras deviam ter uns dois mil funcionários lá. - O diretor me recebeu, conversamos e ele disse: - Você tem um currículo impressionante, acho que vamos poder empregá-lo. - Me explicou que era uma empresa familiar, que o dono se fez do nada, catando latas na rua, com um carrinho de mão...O véio era esperto, ele comprava aquelas latas de dezoito litros, de óleo, colocava numa solução com ácido, e extraia a solda, que era de estanho. Depois ele colocava a folha de flandre numa prensa, deixava novinha e revendia. Ficou rico. Disse também, ( o diretor), que eu iria trabalhar em outra unidade, na Vila Diva. Eu seria o encarregado do RH lá. Na Vila Diva, eu cuidaria de quatrocentos funcionários. Me disse também, (em off), que eu tomasse cuidado com o filho do cara, que era um playboyzinho, e que vivia enchendo o saco por lá. - Véio & bom Charlie, o que eu vi ali foi phodda, (com ph de pharmacia & dois "d", de toddy). O que os caras judiavam dos operários, não estava em nenhum gibi  Ali era a divisão de plásticos da empresa, eles fabricavam sacos de lixo, e todos esses aparatos de cozinha, lixeiras, vasilhas etc. Mano, nessa época, eu era socialista até o meu último pentelho, e vi coisas ali, que me deixaram pra lá de revoltado. Só pra você ter uma ideia, as meninas quando precisavam ir ao banheiro, tinham que pedir permissão no RH. Daí, um filho da puta, anotava quantas vezes a garota ia ao banheiro. Quando elas estavam menstruadas, iam lá pegar um absorvente, o cara anotava quantas vezes ela ia ao banheiro, e quantos absorventes usava... Ali eu senti que não faria carreira, nessa empresa de filhos da puta. Meu salário era super maravilhoso, ganhava bem pra caralho, mas odiei aquele lugar. Achava que aqueles caras afrontavam a classe trabalhadora. Era a velha briga entre capital & trabalho. (O filho do cara andou me sondando, assim meio que assim...Mas eu mandei ele se phudder, educadamente)...Na realidade, a gente se acostuma até com o inferno... Os dias passavam rápidos... Certo dia um cara enfia a mão numa prensa, e perde uns dedos...(Eu era o responsável por aquela alma). Mandei pegar os dedos, colocar numa embalagem com gelo, e corremos para o hospital. Infelizmente, não deu pra reimplantar, porque os dedos estavam esmagados, mas os médicos fizeram um bom trabalho. No dia seguinte, seria o dia do pagamento. A matriz mandava os holerites e nós colocávamos o dinheiro dentro, e fazíamos o pagamento. O velho havia me dito que só pagasse os funcionários, no término do expediente, nada de pagamento fora de hora. Foi aí que a merda se fez presente: - Ela veio num turbilhão de ódio, de sentimentos retidos, encubados... - No dia seguinte, cedinho, o mutilado apareceu na fábrica, (o demônio, eu diria). Pediu-me que liberasse o pagamento dele, por que ele precisava pagar contas, comprar remédios, essas merdas todas...(Eu vou dizer pra vocês que meu coração socialista, se condoeu dele)... Eu paguei o filho da puta. Só que ele ao invés de pegar o holerite & vazar, foi pra seção dele, na área de extrusão de plástico, e disse que havia recebido. Disse que era o phuddiddão, e que eu era um "loque".  Véio, aquela merda correu como um rastilho de pólvora, de repente a fábrica toda sabia que eu havia pago o cara...Não deu outra, os caras ficaram sabendo lá na matriz. Era hora do almoço, quando o velho chegou. - A primeira coisa que ele disse, aos gritos, foi o seguinte: - Eu não lhe disse que não era pra fazer pagamento antecipado, seu merda!!! - Eu senti aquele ódio crescendo pelo meu corpo, e pensei: - Eu vou matar os dois... De repente me vi gritando, descontrolado: - Vai tomar no cu, seu filho da puta!!! - Se você é macho, chega mais aqui, que eu vou meter a porrada em você, no seu filho, e nesse filho da puta!!! ( O velho medrou, o filho se cagou, e o operário achou melhor vazar). Nego me segurou, eu queria matar o velho de todo jeito, aquele ladrão de mão de obra, aquele explorador do caralho. Peguei um táxi e fui pra casa, cheguei tremendo. Minha mulher me viu naquele estado, eu disse: - Perdi o emprego... - Ela perguntou: - O que houve? - Eu respondi: - Foi a velha luta de classes, a guerra entre capital & trabalho. - Foi esta bosta toda que aconteceu. Fui.

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