- Você consegue chorar? Você consegue sentir, quando as lágrimas estão chegando, seus olhos começam a arder, e elas fluem, escorrendo pelo seu rosto, descendo pelo seu corpo ? - Eu ainda consigo chorar. Eu não brigo com elas, não. Eu reaprendi a chorar, há uns trinta/trinta e cinco anos atrás. Eu não chorava. Eu fazia parte daquela geração de homens que não choram, e morrem de infarte... Ontem eu chorei, assistindo um filme, chamado "Doze anos de Escravidão"... Hoje eu também acordei chorando. O meu choro, não é um choro de tristeza não. É um choro de sentimentos represados, é uma coisa boa... Depois do choro, eu me sinto renovado, como se um novo sol estivesse nascendo, como se uma nova vida estivesse chegando. (Os machistas de plantão, vão dizer que esse papo, é um papo aviadado, aboiolado ), mas chorar é bom, faz bem a alma & ao coração. - Não sei quem disse que chorar, nos remete à infância, as lembranças mais íntimas, da tenra idade. Esses dias, eu estava no trânsito, dentro do meu carro, ar condicionado ligado, na minha "zona de conforto", e vi um cara super magro, com uma sonda pendurada no corpo. Tinha uma placa que dizia: - "Soropositivo", me ajudem por favor. Eu não tinha nenhum dinheiro trocado, e fiquei com medo de pegar minha carteira. Daí eu disse que não tinha dinheiro trocado, ele agradeceu, me mandou um sorriso e se foi. Eu confesso que dei uma choradinha ali, naquele momento. - O rapaz numa situação daquelas, e ainda conseguia sorrir...Eu chorei, (não sei se de remorso, ou de dó dele). Talvez eu tenha chorado, por ter aprendido mais uma lição, nessa minha vida. Uma pequena lição de amor. Eu me lembrei de uma outra passagem, na minha vida, onde eu desabei num choro desenfreado. Foi quando eu encontrei o Silvio. Silvio foi meu funcionário durante uns dez anos. Depois ele se viciou em crack, não conseguia trabalhar mais, virou um farrapo humano. Eu não demiti o Silvio, ele apenas sumiu da firma. Eu fui na casa dele, paguei todos os direitos, tudo direitinho. Um domingo, eu subi com o meu filho até a padaria, e lá estava o Silvio. Eu havia acabado de tomar banho, estava limpo, perfumado, com roupas elegantes e tal. - Meu filho disse: - Pai, olha o Silvio, como ele está sujo, deve estar até fedendo... - No que eu entrei na padaria, Silvio me viu, os olhos dele brilharam...Ele estava com uma bermuda imunda, sandálias de dedo, todo sujo & fedido. (Aquela padaria estava cheia de clientes), ele veio e me abraçou, e disse no meu ouvido: - Eu amo muito você, você é o melhor amigo que eu tenho. Nunca vou esquecer o que você & a Nê fizeram por mim. (Nêgo véio, eu desabei num choro, ali, naquele lugar cheio de gente, abraçado com ele). Ninguém estava entendendo nada, parecia que o tempo havia parado. Depois de um certo momento eu perguntei: - Você está precisando de alguma coisa? Ele disse que não. Eu tirei uma nota do bolso, entreguei a ele, e nunca mais o vi. - Meu filho disse: - Pai, você está fedendo... - Eu respondi,: -Não filho, eu não estou fedendo, meu coração está limpo, minha alma também...(Silvio voltou à igreja, conseguiu se livrar do crack, e morreu de acidente do trabalho). - Deve estar no Céu. - Chorar é muito bom, & faz bem a saúde.