05 - Beatrice

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Corri para a porta do terraço e espreitei lá para fora, mas não vi ninguém nem nada estranho. Apressei-me trancar a porta e dei uma volta ao quarto, concluindo que não estava mais nada fora do normal nem faltava nada.
Dei uma volta pela casa, mas estava tudo normal.
Respirei fundo, confusa e preocupada. Não parecia que tivesse estado alguém ali em casa, excepto no meu quarto. Para além do caderno fechado e em cima da mesa de vidro, conseguia sentir um aroma diferente no ar, um perfume diferente, que nunca antes tinha sentido. Eu tinha a certeza de que tinha estado ali alguém, mas não sabia como nem porquê.
Mais uma vez eu iria passar a noite toda sozinha em casa e isso deixava-me inquieta. Percorri a casa toda a verificar que todas as janelas e portas estavam trancadas por dentro, para tentar ficar mais tranquila.
Apesar disso, passei a noite toda às voltas na cama, sem conseguir dormir.

*

- Mas tens a certeza que não encontraste mais nada suspeito? – insistiu Alexa – Podes não ter reparado em mais nada...

- Juro, eu verifiquei a casa toda, não faltava nada nem estava nada fora do sítio, exceto o diário... Quem quer que fosse, só esteve no meu quarto – expliquei – E é estranho... A minha casa tem quatro andares a contar com o rés-do-chão e o meu quarto fica no terceiro, demasiado alto para qualquer pessoa conseguir chegar!

- Pois... - murmurou ela, parecendo estar a pensar em qualquer coisa que não me dizia – Sinceramente não sei o que te dizer, é estranho...

Observei-a com atenção, esperando ansiosamente que ela me dissesse o que estava a pensar, mas para minha desilusão ela não disse mais nada.
Respirei fundo, sentindo o cansaço a apoderar-se de mim.
À nossa volta era a confusão do costume: alunos a entrar e a sair do refeitório, de um lado para o outro com os tabuleiros do almoço nas mãos.
O meu olhar fugiu para a mesa do fundo, onde estavam Bartori. Desta vez, já estavam os quatro reunidos. Era a primeira vez que via Rodrigo, e não pude deixar de o admirar. Tal como os irmãos, tinha a pele muito pálida, loiro de olhos verdes, era bastante parecido com Sandra, comprovando que eram gémeos. Tal como os irmãos, vestia-se muito bem e tinha uma silhueta invejável. Dei por mim novamente a perguntar-me se era possível existirem pessoas tão bonitas como eles eram.
Quando ia a desviar o olhar deles, reparei que a rapariga, Sandra, me olhava. Os seus olhos estavam carregados de raiva. Senti o meu coração a apertar e baixei os olhos para o meu almoço.

- Não te preocupes com a Sandra – disse inesperadamente a Alexa – Ela só não gosta que as pessoas olhem fixamente para ela e para os irmãos.

- Acho isso impossível, é óbvio que as pessoas olham para eles – respondi com um riso nervoso.

- Concordo, é quase impossível deixar de os admirar – disse ela antes de dar mais uma trinca na sua maçã.

Durante o resto do almoço, tentei não voltar a olhar para os Bartori, receando o olhar carregado de Sandra. Podia ser linda de morrer, mas também sabia assustar as pessoas.

*

- Posso?

Olhei, assustada, para cima, encontrando Lorenzo Bartori ao pé da mesa onde eu estava sentada sozinha.

- Hm sim – gaguejei, nervosa, observando-o enquanto colocava a sua mochila em cima da mesa e se sentava na cadeira ao meu lado.

Tentei concentrar-me no meu livro, mas não conseguia deixar de pensar que aquele deus grego estava sentado ao meu lado.
A sala estava vazia, pois ainda faltavam alguns minutos para tocar para o início da aula.

- Desculpa se te assustei – pediu ele, apercebendo-se de que eu tinha as mãos a tremer de nervosismo.

- Só não estava à espera que quisesses sentar-te ao pé de mim...

Ele riu-se, como se eu tivesse dito algum disparate.

- O que foi? – perguntei, sorrindo. O som da sua gargalhada tinha-me, de certa forma, acalmado.

- É que, normalmente, eu sento-me nesta mesa nas aulas de História – explicou, fazendo-me sentir ridícula.

- Oh, então eu devia ir para outra mesa... - disse, preparando-me para pegar nas minhas coisas.

- Não – disse ele imediatamente, agarrando-me na mão direita para me impedir de levantar – Não é preciso mudares de lugar, podes ficar aqui.

Senti-me paralisar, não pela simpatia dele em deixar-me ficar ao seu lado, mas sim pelo seu toque na minha pele. A sua mão era como um cubo de gelo, gelada e forte.
Quando ele se apercebeu de que eu olhava a sua mão fixamente, largou-me, atrapalhado – Magoei-te? Desculpa, às vezes não meço a força que tenho...

- Não, não me magoaste... É só que... estás muito frio... - murmurei, ainda em choque.

- É, eu sou super sensível às temperaturas baixas, fico sempre gelado – respondeu automaticamente, sem me olhar.

Deixei-me ficar estática, respirando calmamente para me acalmar.
Nesse momento a campainha soou e segundos depois o professor entrou seguido pelos nossos colegas.
Assim que nos viram sentados juntos começaram a trocar comentários discretos e a olhar curiosos. Claramente que não era normal os irmãos Bartori conviverem com os restantes alunos e, por conseguinte, era uma novidade ver algum deles sentado com outra pessoa.

- Soube que és a aluna nova – comentou ele, em voz baixa, enquanto abria o livro de História.

- Sim, Beatrice – apresentei-me.

- Lorenzo, mas já deves saber quem sou – disse ele, com um sorriso enigmático.

- Por acaso sim, sei – admiti.

Para grande pena minha, o professor começou a aula e não tivemos oportunidade de continuar a falar. Durante toda a aula, tentei abstrair-me dos olhares incomodativos dos restantes alunos, e também da presença de Lorenzo ao meu lado.
Ele mantinha-se quieto, como uma estátua de mármore, bastante concentrado no discurso do professor sobre a Segunda Guerra Mundial.
Foi um alívio para mim quando soou o toque de saída. Arrumei rapidamente as minhas coisas dentro da mala e peguei no meu livro, preparando-me para sair da sala.

- Importas-te que te acompanhe até ao teu carro? – perguntou Lorenzo, mostrando alguma atrapalhação.

- Hm não, não me importo – sorri, tentando esconder o nervosismo.

Saímos da sala juntos e, ao longo do corredor, vários pares de olhos estavam postos em nós.

- Bem, acho que nem no meu primeiro dia de aulas senti tantos olhos em cima de mim como agora – ri-me.

- As pessoas não estão habituadas a ver-me com outras pessoas para além dos meus irmãos – disse ele com naturalidade – Hm estou a ver que gostas de ficção sobrenatural...

Corei e pousei o meu olhar no livro que levava nas mãos – Sim, principalmente quando se tratam de vampiros.

- Não é um tema que me agrade – disse com uma expressão vazia.

Saímos do edifício escolar e caminhávamos pelo parque de estacionamento quando avistei Federico e Rodrigo encostados a um Mercedes preto, nitidamente à espera de Lorenzo. Estranhei não ver Sandra com eles.
O meu carro, um Range Rover preto, estava estacionado quase à porta da escola, pelo que não tivemos de andar muito para chegar ao meu carro. Tirei as chaves da mala e olhei para Lorenzo, que se encostara com cuidado ao carro.

- Gostei imenso de te conhecer – disse ele, olhando-me nos olhos – E gostava de te conhecer melhor...

Sorri, atrapalhada com tanta sinceridade e perdida naqueles olhos azuis lindos – Hm eu também gostei de te conhecer.

- Vemo-nos amanhã? – perguntou, parecendo ter medo que eu desaparecesse.

- Acho que sim – disse, tentando não parecer demasiado encantada com ele – Até amanhã!

Ele assentiu e desencostou-se do carro. Abri-o e entrei para o lugar do condutor, fechando a porta. Ele ficou a ver-me conduzir para fora do estacionamento. Pelo espelho retrovisor, vi que ele só se dirigiu para junto dos seus irmãos quando eu passei o portão da escola.

a herdeiraOnde histórias criam vida. Descubra agora