01 - Lorenzo

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Assim que ela entrou na sala o seu cheiro espalhou-se pelo espaço.
O professor ainda não tinha chegado e os alunos estavam todos na conversa. Puxaram-na logo para um grupinho de dois rapazes e uma rapariga, que falavam animadamente sobre mexericos da escola.
Consegui perceber que ela não estava minimamente interessada na conversa; mantinha-se meio à parte, distraída com alguma coisa, estava distante dali.
Mantive-me encolhido no meu lugar, na mesa ao fundo da sala, sem nunca tirar os olhos dela.

- O que é que tem a rapariga? – perguntou Federico, sentado descontraidamente no lugar ao meu lado.

- Nada – respondi, tendo a noção de que não disfarcei nada bem.

- É gira – respondeu, também ele observando-a enquanto balançava a cadeira.

Revirei os olhos e pousei a atenção no meu caderno.
Quando o professor de História entrou na sala, todos se foram sentar nos seus lugares e ela sentou-se ao lado do rapaz ruivo que minutos antes a puxou para o seu grupo.

- Porque é que não tiras os olhos dela?

- Cala-te – respondi, um pouco irritado com tantas perguntas e irritado comigo mesmo por não conseguir abstrair-me dela.

Minutos depois o meu irmão continuou a falar, numa voz suficientemente baixa para que só eu ouvisse.

- Ela é a aluna nova que chegava hoje, chama-se Beatrice.

- Beatrice? – estranhei, agora curioso e interessado no que ele dizia – Mas a aluna nova não era espanhola?

- Ela é italiana, mas foi viver para Madrid quando tinha 5 anos.

- Como é que sabes isso tudo? – sorri, sem me admirar com o facto de ele saber tudo aquilo.

- De manhã eu e a Sandra passámos por um grupo que estava a comentar isso.

*

- Estás à procura de alguém? – a voz de Sandra soou do outro lado da mesa.

- Deve estar à procura da humana – riu-se o Federico.

- Que humana? – perguntou a loira, claramente desatualizada sobre os últimos acontecimentos.

- A aluna nova – esclareceu Federico – O nosso querido irmão está interessado nela.

- Espero que isso seja uma piada – comentou ela, com um ar sério.

- Sabes que o Federico só diz disparates – disse-lhe, olhando-a nos olhos – É óbvio que eu não estou interessado em ninguém.

Passei novamente o olhar pelo refeitório, observando à pressa todos os alunos que carregavam consigo os tabuleiros do almoço.
Ouvi Sandra suspirar.

- Ela não está aqui – disse Federico, também ele olhando discretamente para o ambiente que nos rodeava.

- Deve ter ido almoçar a casa – concluí, meio que a pensar em voz alta.

- Não – respondeu ele – Ela mora fora da cidade, não deve ter ido a casa. O mais provável é ter ido almoçar lá fora.

- Como é que sabes que ela mora fora da cidade? – perguntei.

- Ouvi alguém dizer que ela mora naquela casa da floresta, onde não mora ninguém há anos.

Recordei-me imediatamente da casa de que ele falava.
Era uma casa espetacular, enorme, em ótimo estado, isolada na floresta. Para lá chegar, era necessário ir pela estrada principal em direção ao norte da cidade. No fim da estrada, havia uma saída para a floresta, que levava ao parque de campismo. Era preciso ultrapassar o parque e, uns metros mais à frente, havia um caminho de terra à esquerda que conduzia ao interior da floresta.
Eram várias as casas de floresta naquela cidade, eu próprio vivia numa. Mas aquela sempre me fascinara. Era enorme, junto ao rio, com a fachada virada para sul toda envidraçada, quatro andares, integrava-se perfeitamente na natureza. Eu costumava vaguear pelas redondezas. Muitas vezes ficava a observar aquela casa, imaginando quem seriam os donos e por que razão a teriam, de certa forma, abandonado. Pelo que soube, não vivia ninguém naquela casa há quase três décadas, mas que ia lá alguém uma vez por semana a tratar da casa, para a manter em boas condições.

a herdeiraOnde histórias criam vida. Descubra agora