14 - Lorenzo

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Apesar de todo o pó que cobria o sótão, eu conseguia sentir vários cheiros ali dentro. Alguns chamaram-me particularmente a atenção.
Bea concentrara-se em todas as caixas que ocupavam aquele espaço, vasculhando à procura sei lá do quê.
Mas a mim continuava a parecer-me estranho o tamanho do sótão. E mais confusão me fazia o facto de aqueles cheiros me parecerem distantes. Não vinham dos andares de baixo porque eu teria-me apercebido deles mais cedo. Mas também não me parecia virem daquele espaço, pareciam distantes, abafados por alguma coisa. Depois de andar pelo espaço, apercebi-me que aqueles odores eram mais fortes junto à parede oeste. Dei uma vista de olhos pelas caixas e arcas que estavam ao pé daquela parede, mas depressa percebi que a origem não vinha de nenhuma daquelas caixas.
Aproximei-me da parede. Bea continuava atarefada a vasculhar numa arca de madeira trabalhada, no canto oposto do sótão.
Observei as paredes todas do espaço. Aparentemente eram todas iguais, sem nada de suspeito. Mas ali, quase encostado à parede, conseguia sentir os cheiros muito mais nitidamente ao ponto de conseguir identificar alguns. O que mais me chamou a atenção foi um que me assustou particularmente.
Acónito.
Petrifiquei. Não esperava encontrar por ali aquela planta mas, pensando bem, era até normal. O avô de Bea tinha sido caçador, era perfeitamente normal que tivesse acónito.

- Passasse alguma coisa? - perguntou Bea, do outro lado do sótão.

Voltei-me para ela, sobressaltado, mas não soube o que lhe dizer. A minha atenção continuava presa àquela parede.
Ouvi-a a aproximar-se e, quando chegou ao pé de mim, observou a parede, confusa.

- O que é que tens?

Pousei a minha mão na parede, cada vez mais certo de que o cheiro vinha dali.

- Enzo... - murmurou ela.

Foi como se tivesse sido arrancado à força dos meus pensamentos, acordando para a realidade. Era a primeira vez que ela me chamava pelo diminutivo. Sorri involuntariamente, contagiando-a.
Mas depressa voltámos ao assunto da parede.

- Acho que há algo de errado com esta parede - disse, sem saber bem o que mais podia dizer.

- Como assim? - ela olhou a parede desde o chão até ao teto - Eu não vejo nada de estranho...

Afastei-me daquela parede, caminhando pelo meio das caixas por ali espalhadas. Quando fiquei mais ou menos a meio do espaço, olhei novamente para a parede, desta vez com maior ângulo de visão devido à distância. A parede parecia normalíssima. Mas não era.
Mais ou menos a meio da parede, havia uma mudança de tom da tinta. Do meio para a esquerda a parede era de um branco amarelado, igual às outras três paredes; mas do meio para a direita a parede não era tão amarelada, a tinta aproximava-se mais do branco puro. Estranhei.
Reparei então que só havia caixas encostadas à parte esquerda da parede, enquanto que na parte direita não estava nada encostado.
Aproximei-me novamente da parede sob o olhar curioso de Bea. Só me passava pela cabeça fazer o mais óbvio: ver se a parede, em alguma parte, era oca.
Com o punho cerrado, bati levemente na parte esquerda, onde a parede era mais amarelada. O som cavo ecoou pelo sótão. Bea percebeu imediatamente o que eu estava a fazer.

- Achas que pode ser uma parede falsa? - uma leve esperança acendeu no seu olhar.

Acenei que sim e apontei-lhe o local no meio do espaço onde eu, há alguns segundos atrás tinha estado.

- Dali consegues ver uma diferença no tom da cor da tinta de parede.

Bea dirigiu-se imediatamente para lá e ficou alguns momentos a olhar para a parede.

- Tens razão. Do lado direito a parede parece ter sido pintada mais recentemente.

Bati novamente naquela zona da parede, para me certificar de que a parede não era oca ali. Depois fui para o lado mais à direita, onde as caixas que tinham sido pousadas ali encontravam-se a cerca de um metro de distância da parede. Bati da parede.
A Bea estremeceu.
Aquela zona da parede era, sem dúvida, oca. Uma parede falsa. Bea aproximou-se e colocou-se em frente da parede, mesmo em frente ao sítio onde a cor mudava. Passou os dedos pela parede com um olhar atento.

- Reparaste nisto? - perguntou a certa altura.

a herdeiraOnde histórias criam vida. Descubra agora