Quando o vi saltar do terraço, o meu coração disparou. Corri para o limite do terraço, olhando lá para baixo. Lorenzo encontrava-se de pé, encostado a uma árvore na orla da floresta. Quando me viu, acenou-me e desapareceu a correr para dentro da floresta.
Como é que era possível que ele estivesse inteiro, sem nenhuma lesão, depois de saltar de um segundo andar?!
Ainda em choque, voltei para dentro do quarto no mesmo instante em que Alonso chegava à porta do quarto.- Então? – perguntou, preocupado – Chamei-te várias vezes e tu só respondeste bué tempo depois e nem foste lá abaixo...
- Desculpa, estava distraída a ler – menti – Mas está tudo bem?
- Sim – respondeu, desconfiado – Porque é que ainda estás de casaco?
- Ahm... - olhei rapidamente para o que tinha vestido e depois apressei-me a inventar uma mentira – Quando cheguei ainda tinha frio e não me apeteceu tirar o casaco, e depois distraí-me a ler e nem me lembrei de o tirar!
- Se estavas com frio porque é que não fechaste a porta do terraço? – perguntou, cada vez mais desconfiado.
- Ah mas eu só abri a porta agora mesmo – disse instintivamente – Fui lá fora tirar uma foto à floresta para poder desenhá-la melhor, visto que não posso ir desenhar lá para fora por causa do frio.
Ele, mesmo desconfiado, pareceu aceitar a desculpa e afastou-se, entrando no seu quarto.
Saí também do meu quarto e corri pelo corredor e pelas escadas, até à sala do rés-do-chão. Peguei na mala e voltei a subir as escadas todas até ao meu quarto.
Assim que entrei, fechei a porta e pousei a mala no chão, indo de seguida fechar a porta do terraço.
Só respirei fundo quando me deitei na cama, olhando o teto. Levei a mão ao bolso do casaco, sentindo as chaves frias.
Aquele dia tinha sido de loucos. Tinha muitas coisas em que pensar.
Primeiro: Alexa não tinha dado mais notícias e faltara às aulas. Coincidência ou não, Rodrigo Bartori também faltara às aulas e, quando perguntei por ele a Lorenzo, este desviou o assunto, como quem estava a esconder alguma coisa.
Segundo: mais acontecimentos estranhos à volta de Lorenzo. Reparei que ele não comeu nada ao almoço e, devido à minha grande atenção, também pude reparar que os seus irmãos, que não se sentaram muito longe de nós, também não tinham comido nada.
Terceiro: Lorenzo acertara no código do cofre logo à primeira tentativa. Qual era a probabilidade disso acontecer?
Quarto: Lorenzo pareceu prever a chegada do meu irmão antes mesmo de ele entrar em casa, tal como também o fizera ao almoço no refeitório, com os seus irmãos.
Quinto: como é que era possível Lorenzo ter saltado de um segundo andar e sair ileso?
Sexto: por que razão Alonso me mentira, dizendo não saber da chave do sótão quando sabia perfeitamente onde ela estava? Por que raio andava ele cheio de segredos?
Sétimo: reparei que, durante todo o dia, Lorenzo parecia incomodado com algo, como se tivesse algo para me dizer mas não tinha coragem para o fazer. O que seria?
Apesar de me agradar imenso toda a proximidade que se criou entre mim e Lorenzo, todos os acontecimentos estranhos têm vindo a incomodar-me e cada vez mais receava a verdade. As peças iam-se ligando aos poucos e isso assustava-me porque, de certa forma, eu tinha medo da verdade.
Lorenzo e os irmãos não comiam; pensando bem, só tinha visto Lorenzo comer uma única vez, cá em casa, e mesmo assim não comeu muito, e isso não é normal, qualquer pessoa precisa de se alimentar, certo? Eles eram pálidos como a neve e lindos de morrer, isolavam-se e evitavam aproximar-se de outras pessoas. Eram gelados, e ao lembrar-me do encontro com Sandra, onde eu quase caí ao chão, concluí que ela era demasiado forte, ao ponto de ter parecido uma estátua quando foi contra mim. E Lorenzo também era muito forte, porque ainda há minutos atrás ele saltou de um segundo andar e agiu como se nada fosse.
Lembrei-me da manhã do último sábado, quando encontrei Lorenzo perto de minha casa. Ele era muito rápido, desaparecendo em segundos, pois quando me voltei já não o vi.
E os olhos dele? Mudaram de cor, de azul para vermelho, no início daquela tarde. Tal como os olhos de Sandra, no sábado, que também pareciam ter reflexos avermelhados.
Lorenzo agia como se fosse muito mais velho, parecia adivinhar a maioria das coisas, como se o mundo fosse bastante simples e previsível.
Seria possível não estar perante um filme cinematográfico bastante criativo? Seria possível que eu não estivesse a enlouquecer?
Virei a cabeça lentamente, pousando o olhar nos livros de vampiros que eu tinha em cima da mesa-de- cabeceira.
Era impossível...
Naquele momento sentia-me vazia, ansiosa e inquieta. Mas não tinha medo. De qualquer forma, permanecia dentro de mim uma pequena esperança de que eu estivesse a alucinar.
Mas a dúvida, a incerteza, eram sufocantes. Fosse qual fosse a verdade, eu tinha de saber. Eu tinha de saber com o que é que estava a lidar.
Ouvi o chuveiro da casa-de-banho do quarto do meu irmão ligar. Levantei-me, despi o casaco e corri silenciosamente para a biblioteca.
Abri o armário do cofre. 1967. O cofre destrancou-se e eu abri-o, tirando de lá de dentro a caixinha com o anel de prata, voltando a fechar o cofre de seguida.
Voltei para o meu quarto e fechei a porta.
Observei a pequena caixa de veludo azul-escuro, pensando no que acabava de decidir.
És doida, atirou o meu subconsciente. Abanei a cabeça, afastando o receio, e abri a caixa. O anel continuava no mesmo sítio, lindo de morrer. Peguei nele e experimentei-o: servia-me no dedo anelar. Ótimo.

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a herdeira
Vampiros(história em pausa) Uma casa no meio da floresta, fechada há 28 anos. Uma biblioteca que esconde um cofre. Um sótão fechado à chave. Uma floresta onde acontecem coisas estranhas. Dois desaparecimentos e uma morte suspeita. Uma história com 50 anos...