O meu telemóvel, pousado em cima da mesa de vidro, deu sinal de nova mensagem.
Levantei-me, ainda meio apática, e peguei no telemóvel. Quando vi o nome de Alexa no ecrã, o meu coração disparou.Olá! Desculpa ter-te preocupado, tive umas complicações com o meu telemóvel e não pude dar notícias mais cedo. Espero que estejas bem, e mais uma vez desculpa!
Tive de ler a mensagem uma segunda e uma terceira vez, pois sentia-me demasiado confusa e chocada.
A mensagem dela era simples e justificava o seu "desaparecimento". Mas, por alguma razão, o mau pressentimento não desaparecia.
Suspirei, impaciente, e apressei-me a responder.Ah, ainda bem que não aconteceu nada, é que fiquei mesmo muito preocupada... Comigo está tudo ótimo! O fim-de-semana está a ser uma seca... achas que podemos encontrarmo-nos? Por favor não desapareças outra vez, vai dando notícias. Beijinho.
Esperava ansiosamente por uma resposta dela, que chegou quase meia hora depois.
Desculpa, não vou poder encontrar-me contigo, tenho imensas coisas para fazer. Vemo-nos na segunda. Beijo.
Minutos depois recebi nova mensagem, mas não era de Alexa. O nome do meu irmão apareceu no ecrã.
Fui procurar-te ao teu quarto mas não estavas, e como ainda não ouvi barulho em casa, suponho que ainda não tenhas chegado. Só quero avisar-te que vou almoçar com um amigo e depois sigo logo para o hospital. Desculpa não poder estar contigo hoje, sabes como é o trabalho. Beijinhos!
Deixei-me ficar deitada na cama, sem fazer barulho para que Alonso pensasse mesmo que eu não estava em casa. Cerca de vinte minutos depois ouvi a porta da entrada a abrir e depois a fechar e a ser trancada. Lá fora, ouvia-se o som do motor do carro, que segundos depois se afastou.
Estava oficialmente sozinha em casa durante o dia inteiro.
Como já era hora de almoço, levantei-me, ajeitei a roupa e o cabelo e peguei na minha mala e nas chaves do meu carro.
Corri pelas escadas todas, destranquei a porta, saí e voltei a trancar a porta. Entrei no meu carro, que estava mesmo em frente à casa, e liguei-o, conduzindo pelo caminho de terra em direção à estrada secundária alcatroada, que levava a uma das estradas principais da cidade. Cerca de quinze minutos depois estava já a estacionar à porta da pizzaria da cidade.
Lembrei-me que na noite anterior também tinha comido pizza e no quão irresponsável estava a ser por não tentar manter uma alimentação saudável, mas a minha vontade de me ir meter na cozinha e fazer o almoço era nula depois dos acontecimentos daquela manhã.
Tranquei o carro e entrei no estabelecimento, sentindo o forte aroma das pizzas que estavam a ser servidas.
Fiz o meu pedido e, ao informarem-me que ainda ia demorar uns quinze minutos, decidi ir à livraria que ficava do outro lado da rua. Saí novamente para o ar frio de novembro e atravessei a estrada, caminhando apressadamente para o interior da livraria.*
Conduzia lentamente pela estrada, com a caixa da pizza pousada no banco do lado e três livros novos nos bancos de trás.
A minha atenção deveria estar centrada na condução, mas em vez disso pensava seriamente no encontro estranho que tivera, momentos antes, na livraria.Assim que efetuei o pagamento dos livros, dirigi-me à saída da loja, andando enquanto guardava a carteira na mala. Sem querer, fui contra alguém e deixei cair os livros no chão. Ainda nem tinha recuperado do choque e já a outra pessoa tinha apanhado os livros e mos tinha estendido, esperando que eu os aceitasse de volta. Encarei a pessoa, sentindo o meu coração acelerar. Sandra Bartori observava-me, serena e paciente, esperando que eu me recompusesse.
- Desculpa, não te vi – gaguejei, pegando nos livros.
- Não faz mal, eu percebi que não fizeste de propósito – disse ela, numa pronúncia linda e calma – Vejo que mudaste os teus hábitos de leitura, surpreende-me que não tenhas comprado livros sobre vampiros.
Sorri, e só segundos depois é que percebi o que ela acabara de dizer – Como é que sabes que eu costumo ler livros de vampiros?
- Lorenzo comentou comigo. E eu também já tinha reparado, na escola.
Fazia sentido.
Observei-a descaradamente, ainda atordoada com aquele encontro improvável. Sandra estava linda, tal como estava sempre. Podia sentir o aroma do seu perfume, leve, a pairar à nossa volta. Aquele ar altivo, superior, era capaz de intimidar qualquer um. Ela estava, no fundo, igual a sempre: deslumbrante. Mas havia qualquer coisa diferente nela.
Aquela situação começou a tornar-se constrangedora e eu já me preparava para me despedir, quando ela retomou o assunto.- Posso perguntar porque é que estás interessada em histórias sobre esta zona? – perguntou, fixando o olhar nos livros que eu segurava nas mãos.
- Não há nenhum motivo em especial. Eu simplesmente gosto de ler, e já que vim para esta cidade, quero saber mais sobre a zona – expliquei automaticamente, quase sem pensar no que dizia.
Mas soou-me bem essa explicação. Afinal, como é que haveria de lhe explicar a verdadeira razão que me levou a comprar aqueles livros? Para ser sincera, nem queria falar com ela sobre o assunto: não nos conhecíamos bem e, por conseguinte, eu não confiava nela. Até porque, afinal, eu sempre tivera a sensação de que ela me odiava, apesar de naquele momento ela parecer menos severa comigo.
- Nesse caso, boa leitura – sorriu e entrou na loja com um andar seguro.
Mantive-me paralisada, no mesmo sítio, a assimilar tudo aquilo. Só segundos depois é que me apercebi de que estava especada à porta da livraria.
Apertando os livros de encontro ao meu corpo, saí da loja e dirigi-me ao meu carro, colocando os livros no banco de trás. Olhei para o relógio e lembrei-me da pizza, que já devia estar pronta.Agora que pensava com clareza nesse assunto, começava a aperceber-me de algumas coisas fora do normal que, no momento, não se manifestaram imediatamente na minha mente.
No momento em que fui contra Sandra, ela não se moveu, não deu nem um passo atrás. Enquanto que eu quase caí ao chão, foi como se o embate não tivesse provocado nenhum efeito nela. E enquanto eu recuperava o equilíbrio, já ela tinha apanhado os três livros e esperava que eu os aceitasse de volta. Como é que em menos de três segundos, já ela tinha apanhado os livros todos?
Eu não estava louca. Eu vi os livros a caírem ao chão.
Eu vi-os cair ao chão, mas não os ouvi bater no chão.
Pelo espelho retrovisor, dei uma espreitadela aos livros, que continuavam no banco de trás. Um deles era pequeno, com capa mole, não muito pesado. Outro era volumoso, em capa dura, mais pesado. O terceiro era um pouco mais pequeno mas também em capa dura. Os três juntos, a caírem ao chão, provocariam barulho. Mas, por mais que eu revivesse aquele momento, não me lembrava de os ouvir bater no chão.
Então, fui contra a Sandra, os livros caíram-me das mãos, eu vi-os caírem. Eu quase caí ao chão e a Sandra manteve-se normal, como se fosse de pedra... não se moveu nem um centímetro. E em poucos segundos ela conseguiu apanhar os três livros, ver do que tratavam, e estendermos, enquanto que eu nem o equilíbrio tinha conseguido recuperar, recapitulei. Aquilo não fazia sentido.
Mas... e ela estava tão simpática comigo... Logo ela, que me mandava olhares carregados de ódio na escola...
Relembrei toda aquela pequena conversa à porta da livraria. Ela estava demasiado simpática comigo... Parecia até uma simpatia forçada, falsa. Como se estivesse a esconder alguma coisa, a tentar desviar a minha atenção...
E os olhos... os olhos dela estavam diferentes. Os olhos dela não estavam normais, não estavam do mesmo verde-água do costume.
Deves ter visto mal, atirou o meu subconsciente, os olhos não mudam de cor. A menos que tivesse posto lentes de contacto.
Em segundos, relembrei os momentos em que a via na escola, quando ficava discretamente a observar a beleza de Sandra. Os olhos dela sempre foram de um verde-água lindo, da mesma cor que os olhos de Rodrigo, o seu irmão gémeo. Era impossível não reparar nos seus olhos, eles sobressaíam no rosto.
Mas na livraria, há momentos atrás, os seus olhos não tinham esse verde-água. Estavam mais escuros. Um verde-claro com reflexos vermelhos. Eu tinha a certeza.
Senti um arrepio a percorrer-me o corpo todo. Eu tinha a certeza do que tinha visto. Passava-se algo de muito estranho com Sandra.
![](https://img.wattpad.com/cover/123489575-288-k976695.jpg)
VOCÊ ESTÁ LENDO
a herdeira
Vampir(história em pausa) Uma casa no meio da floresta, fechada há 28 anos. Uma biblioteca que esconde um cofre. Um sótão fechado à chave. Uma floresta onde acontecem coisas estranhas. Dois desaparecimentos e uma morte suspeita. Uma história com 50 anos...