16 - Lorenzo

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Farto de estar em casa, sentindo-me inútil sem conseguir fazer nada para ajudar a Sandra e farto de ser ignorado por quase todos, decidi sair de casa. Queria ir ter com a Bea, precisava de estar com ela.
Corri pela floresta à velocidade da luz, sob a lua cheia. À medida que me ia aproximando da casa dela sentia cada vez mais que algo estava errado. Estava a acontecer alguma coisa.
Acelerei ainda mais, saltando pelas árvores no silêncio da noite.
Cheguei ao pé da casa e ouvi movimentos no seu interior. Percebi que Alonso estava em casa, mas senti-o estranho, nervoso.
Subi rapidamente as pequenas escadas e ia a tocar à campainha no exato momento em que a porta se abriu e, do outro lado, Alonso apareceu no estado mais improvável, assustando-me.
Os seus olhos azuis brilhavam imenso, pareciam ter luz própria, e os seus dentes transformavam-se e surgiram-lhe quatro presas afiadas. Consegui ouvir alguns dos seus ossos a estalarem violentamente, as suas unhas cresciam a uma velocidade incrível e transformavam-se em garras compridas e negras.
Petrifiquei ao vê-lo naquele estado. Respirava com imensa dificuldade e transpirava, o seu coração batia tão aceleradamente que, num humano normalíssimo, seria fatal.
Ele olhou-me nos olhos, senti o seu ar desesperado, apressado. Fiquei tão abismado que não fui capaz de fazer nada, apenas lhe dei espaço para passar e ele saiu a correr, embrenhou-se na floresta.
Ainda sem saber bem como reagir ao que acabava de presenciar, e ainda sem ter a certeza do que tinha visto, apenas uma coisa me passou pela cabeça: Bea. Entrei e fechei a porta atrás de mim, preocupado com ela. Estava tão atordoado e desconcentrado que nem consegui prestar atenção ao que me rodeava, fui incapaz de ouvi-la. Percorri a casa com a minha típica velocidade vampírica e entrei no quarto dela de rompante, assustando-a.
Estava deitada na cama, às escuras, a tentar dormir.
Assim que pousei o olhar nela, respirei fundo e acalmei repentinamente, como se tudo dependesse do bem-estar dela. E ela estava bem, pelo menos assim o demonstrava.

- O que é que estás aqui a fazer? - perguntou ela, ligando o candeeiro da mesa de cabeceira e levantando-se atrapalhadamente.

Eu não fui capaz de dizer nada. O meu olhar fugiu para a vista sob a floresta que se tinha através da parede envidraçada. Segundos depois ouvimos um uivo ao longe, fazendo-me estremecer da cabeça aos pés.

- Enzo... - chamou em voz baixinha, fazendo-me encará-la - O que é que se passa?

Abanei levemente a cabeça, sem coragem de lhe dizer fosse o que fosse. A minha cabeça estava inundada de perguntas, se ela sabia, se não sabia, se devia contar-lhe, se era melhor não me meter no assunto, mas sabia que teria de contar aquilo a John, mas tinha medo que isso pusesse o Alonso em perigo... Sentia que a minha cabeça ia explodir a qualquer momento.
Nem me tinha apercebido da proximidade de Bea, até que senti o toque da sua mão no meu braço.

- Tu estás nervoso... - concluiu, deixando que a preocupação se apoderasse da sua voz - O que é que se passou?

Puxou-me até à cama e sentámo-nos. O silêncio instalou-se entre nós e minutos depois outro uivo fez-se ouvir e eu levantei instintivamente o olhar para a floresta.
Bea apercebeu-se do olhar preocupado que eu lancei à floresta nesse momento e senti-a inquieta.

- Passou-se alguma coisa com a tua família?

E de repente lembrei-me do que aconteceu à Sandra, da caçadora que Rodrigo viu, lembrei-me que Alonso estava sozinho na floresta e que podia correr perigo.

- Lorenzo! - chamou ela novamente.

- Eu estou bem... - consegui finalmente dizer - Mas a Sandra quase morreu hoje...

a herdeiraOnde histórias criam vida. Descubra agora