Assim que fechei a porta atrás de mim pousei a pasta no chão e pendurei o casaco, e fiquei junto às vidraças da sala.
Uma onda de preocupação assaltou-me no momento em que saíra do carro e os vi aos dois muito juntinhos. Não foi difícil para mim perceber quem era Lorenzo. Percebi imediatamente que não devia ter demorado tanto tempo a ponderar sobre o futuro de Beatrice.
Perguntava-me se ela já tinha percebido o segredo de Lorenzo Bartori. Bea era inteligente, já se tinha apercebido de que se passava alguma coisa, que eu lhe escondia algo. Mas eu não sabia até que ponto ela tinha procurado por respostas.
E ali, ao vê-los beijarem-se através dos grandes vidros, senti que tinha chegado a altura de ter aquela conversa com Bea. Não podia adiar mais aquilo. Ela tinha de saber quem era, tinha saber os segredos da família e, acima de tudo, tinha de se afastar dos Bartori.
Fui arrancado dos meus pensamentos quando Bea entrou em casa. Olhou-me com um olhar vago, perdido. Suspirei.- Achas que podemos falar? - perguntei.
Bea assentiu - Acho que podemos ir conversar para a biblioteca.
A sua sugestão deixou-me confuso - Porquê na biblioteca?
- Porque acho que podias começar por explicar porque é que me mentiste em relação à chave do sótão e ao código do cofre.
Ela já sabia. Era mais que óbvio que ela descobrira o código do cofre e daí descobriu a chave do sótão. Já tinha visto o que havia no sótão e já tinha, pelo menos, dado uma vista de olhos no conteúdo do cofre. Já sabia quem eram os Bartori e, se eles sabiam quem ela era, Bea também já saberia o que aconteceu realmente ao nosso pai. E também me perguntei como é que ela conseguiu descobrir o código do cofre.
A minha cabeça transformou-se num novelo de pensamentos enrolados uns aos outros de forma desordenada. Não sabia o que dizer, como dizer, como me desculpar.
Eu adorava a minha irmã. Desde sempre que eramos inseparáveis, super amigos, e eu entendia que ela estivesse super chateada comigo por lhe ter escondido tudo aquilo. Sabia que ela devia estar desiludida comigo e eu não conseguia deixar de me sentir culpado por a ter magoado tanto. Mas Bea não tinha uma expressão zangada, não parecia estar a julgar-me ou algo do género. Parecia estar calma, disposta a ouvir seja o que for que eu tinha para dizer.
Respirei fundo e subimos as escadas lado a lado, em silêncio, e só parámos na biblioteca. Sentámo-nos nas cadeiras à volta da mesa e reparei então na confusão de papéis, fotografias e diários que estava espalhada pelo tampo da mesa.- Acho melhor começar eu - disse ela - Tenho a dizer que vi a tua caixa debaixo da cama, antes de a esconderes no sótão - admitiu ela - Sei que a avó me deixou esta casa, e sei da carta que o pai te escreveu antes de morrer...
Notei a voz dela um pouco trémula. Pensei que ela ia ficar em silêncio, a deixar-me pensar, ou talvez para acalmar a voz, mas não.
- E descobri o código do cofre - disse ela, passando os olhos pelo tampo da mesa, indicando todos os papéis e cadernos que ali estavam - Como deves calcular, eu já sei o que os avós eram, o que aconteceu entre eles e descobri o segredo da família Bartori. Também sei o que tu fizeste.
O acentuado ênfase no "tu" fez-me engolir em seco, com um nó na garganta.
- Mas não te censuro, foi o pai que te pediu. Mas não consigo entender como é que consegues fingir que nada se passa, não entendo como é que conseguiste esconder-me tudo isto.
- Eu prometi à avó que não te contava enquanto não achasse que não estivesses preparada.
- E quando é que eu ia estar preparada para tudo isto? - perguntou ironicamente.
- Eu queria ter falado contigo com calma, uma coisa de cada vez, para não ser um choque muito grande. Só estava à espera que agora as coisas acalmassem, eu andava muito ocupado no hospital, tinha de pôr tudo em ordem e estabilizar as nossas vidas... Assim que estivesse tudo calmo eu ia falar contigo... - tentei justificar-me.

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a herdeira
Vampiro(história em pausa) Uma casa no meio da floresta, fechada há 28 anos. Uma biblioteca que esconde um cofre. Um sótão fechado à chave. Uma floresta onde acontecem coisas estranhas. Dois desaparecimentos e uma morte suspeita. Uma história com 50 anos...