19 - Beatrice

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- Bea! – ouvi a voz do meu irmão chamar-me pouco depois de o ter ouvido entrar em casa.

Deixei-me ficar sentada à mesa na biblioteca. Já tinha lido todos os diários da minha avó e toda a restante papelada que estava guardada no cofre mas não encontrei nada que me explicasse como encontrar a passagem secreta do sótão. Começava a ficar cada vez mais impaciente por não poder fazer nada, sentia-me de mãos e pés atados. Os Bartori andavam cada vez mais preocupados com os acontecimentos estranhos na floresta e eu queria ajudá-los mas não sabia como. Sentia-me insegura com aquele ambiente, queria poder sentir-me capaz de me defender caso fosse preciso mas para isso precisava das coisas do meu avô e de saber como as usar. Sentia que precisava dos meus poderes e não os tinha.
Irritada, coloquei o anel no dedo. Tinha de descobrir como entrar no esconderijo.

- Ah, estás aqui – o meu irmão, parado à porta, suspirou – Já estava a ficar preocupado.

Olhei para o meu relógio de pulso, apercebendo-me que nem era assim tão tarde. Eram apenas oito da noite.

- Está tudo bem? – perguntei.

- Sim, só vim a casa tomar banho e comer qualquer coisa.

- Vais voltar para o hospital? – na verdade a minha pergunta era retórica, eu já sabia a resposta.

- Sim. Mas hoje volto cedo. Antes das duas estou em casa, prometo – ele sorriu-me e foi para o quarto dele.

Quando fiquei novamente sozinha ainda permaneci alguns minutos ali sentada, a olhar para o caus em cima da mesa. E foi então que me lembrei. Seria demasiado fácil se a resposta estivesse no cofre ou no sótão. Mas a minha avó era tão apaixonada por livros quanto eu. Ela dizia muitas vezes que os livros eram os melhores professores, que nos ensinavam muito. Dizia que em certas alturas da vida os livros seriam os únicos que estariam lá para nós.
Levantei-me de rompante e olhei em volta, passando o olhar por todas as estantes da biblioteca. A resposta só podia estar num daqueles livros.
Dirigi-me à primeira estante, que estava encostada ao lado da mesinha com o globo. E decidi que, se fosse preciso, passaria ali a noite a analisar as estantes de alto abaixo, mas não ia desistir enquanto não encontrasse alguma coisa.

- O que estás a fazer? – perguntou o Alonso de repente, fazendo-me dar um salto para trás – Calma, não te queria assustar...

- Desculpa – pedi, abanando a cabeça – Acho que tive uma ideia de como encontrar a entrada da passagem secreta.

- Ah sim? – ele pareceu curioso – Ouve, eu queria mesmo ajudar-te mas tenho de ir embora... Promete-me que, se descobrires, não entras lá antes de eu chegar.

Olhei-o nos olhos e percebi que ele estava mesmo preocupado e senti-me com medo pela primeira vez. Não sabia o que é que aquele esconderijo guardava ao certo, e isso assustava-me um pouco. E tudo aquilo descobri sozinha, sem a ajuda do meu irmão, que senti que desta vez podia fazer um esforço e esperar por ele. Iria sentir-me mais segura e menos sozinha se ele estivesse comigo nesse momento.

- Prometo – e reforcei com um gesto de cabeça e um pequeno sorriso.

Ele também me sorriu e entrou na biblioteca, aproximando-se de mim. Deu-me um abraço reconfortante e murmurou um "boa sorte" ao meu ouvido. Depois saiu e ouvi-o descer as escadas. Minutos depois ele saiu de casa, trancando a porta como sempre.
Só então é que respirei fundo e retomei as buscas. Verificava cada livro ao pormenor e, naquela fase, já verificava até a própria estante. Sabia-se lá se haveria algum cofre secreto ou esconderijo!
Já ia na terceira estante, sobre mitologia. Pareceu-me ser a estante ideal para guardar segredos, mas não parava de pensar no quão óbvio isso seria. Comecei pela prateleira junto ao teto, quando me apercebi que as estantes não tocavam no teto, deixando um espaço mínimo talvez com cerca de cinco centímetros de altura. Meti lá a mão e apalpei o espaço, sentindo o pó a agarrar-se à minha mão. Até que toquei em algo. Parecia um livro. Tirei-o para fora e soprei para tirar todo o pó que o cobria.
Era um caderno, com a capa de pele castanha escura. Estava em muito mau estado. Tirei o telemóvel do bolso das calças e liguei a lanterna, subi mais um degrau da escada e apontei a luz para a reentrância, varrendo o espaço todo em cima das estantes, mas não havia mais nada. Sem hesitar, saltei da escada e levei o caderno para a mesa. Sentei-me e abri o caderno com todo o cuidado, com medo de rasgar alguma das suas frágeis páginas. Ele não era muito grosso e tudo o que continha eram informações. Moradas. Indicações de livros importantes que estavam naquela biblioteca. Esconderijos naquela casa. Os locais mais indicados para treinar na floresta. Nomes e contactos de lojas onde comprar equipamento. E muitos códigos.
A maioria das coisas não estava escrito em português, nem em italiano, nem em espanhol nem inglês nem outra língua qualquer fácil de reconhecer. Estava escrito em caracteres egípcios, uma das grandes paixões da minha avó. Ela amava idiomas antigos, latim, egípcio, persa, hebraico, grego antigo, entre muitas outras. Ela divertia-se a pesquisar sobre aquelas culturas, sobre as origens desses idiomas, e passava horas a traduzir manuscritos. Passou-me essa curiosidade mas só me tinha conseguido ensinar os caracteres egípcios, foi a primeira língua que ela fez questão de me ensinar. E agora percebia porquê. Ela queria que eu encontrasse este caderno, e queria que eu o conseguisse ler facilmente. E não foi nada difícil fazê-lo, eu conseguia ler aquilo com a mesma facilidade com que lia português ou espanhol.
A certa altura, quase a meio do caderno, falava num código que dava acesso a um esconderijo. Sem pensar duas vezes, peguei no caderno e saí a correr da biblioteca, subi as escadas sem parar e abri a porta do sótão de rompante, ligando a luz do espaço. Abri o quadro eléctrico e respirei fundo. Algo me dizia que aquele era o código. As descrições batiam todas certo. 

a herdeiraOnde histórias criam vida. Descubra agora