16 - Lorenzo

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Tê-la ali nos meus braços acalmou-me. A verdade é que a Bea me transmitia tranquilidade, eu sabia que estando com ela ficava tudo bem.
Eu sabia que ela já se tinha apercebido de que estava alguma coisa errada, mas não insistiu. Eu queria contar-lhe, mas não sabia como. E tinha esperança que, depois de eu ter visto o Alonso naquele estado, que ele se decidisse a contar a verdade à Bea.
Apertei-a levemente contra o meu corpo. Senti o seu calor e por breves momentos pensei em como gostaria de voltar a ser humano só para poder sentir-me quente.
Apercebi-me que Bea se arrepiou e fiquei preocupado.

- Estás com frio? – perguntei num sussurro.

Ela abriu os olhos.

- Um pouco...

Levantou-se e foi ao armário buscar uma manta, enrolando-a à volta do corpo. Voltou a deitar-se ao meu lado e aconchegou-se.

- Eu adoro-te, mas és um pouco frio demais – riu-se, aliviando o ambiente.

Sorri ao mesmo tempo que amaldiçoava mentalmente a minha condição.
O silêncio instalou-se novamente e só se ouvia o vento a soprar por entre as árvores lá fora.
Ali, abraçados um ao outro, sentia a sua respiração no meu pescoço e o seu cheiro sentia-se nitidamente. Para minha surpresa, apesar da grande proximidade entre os dois, eu estava bastante calmo, não sentia que me podia descontrolar, os meus sentidos permaneciam normais. Podia ouvir o coração dela, o sangue a correr-lhe nas veias, sentia o cheiro do sangue... mas não me sentia a descontrolar, não sentia que a podia pôr em perigo.
Senti um leve sorriso formar-se no meu rosto e dei-lhe um leve beijo na cabeça.
Senti-a sorrir contra o meu pescoço.
Só conseguia sentir uma enorme sorte em tê-la conhecido. E apercebi-me que não tinha passado assim tanto tempo desde que nos tínhamos visto pela primeira vez mas que parecia que já tinham passado anos. Parecia que já nos conhecíamos desde sempre.
E apercebi-me que ela tinha-se tornado a minha âncora da humanidade. O facto de não me sentir descontrolado com aquela proximidade física, de me sentir normal, quase humano, provava que ela conseguia fazer-me prender à pouca humanidade que me restava.
Ali, com ela, não me sentia um monstro.
Mas continuava a sentir-me distante dela. Eramos de dois mundos completamente diferentes e, por mais próximos que estivéssemos fisicamente, íamos estar sempre distantes um do outro.

*

O meu relógio marcava as cinco da manhã quando ouvi a porta de casa abrir. Só consegui captar sons, pois não senti odor nenhum.
Alonso, depois de fechar a porta atrás de si, andou lentamente pelo hall de entrada, em direção às escadas.
Respirava devagar, com dificuldade. O seu coração estava acelerado.
Apertei a Bea contra mim, sentindo uma onda de preocupação.
Segui os passos de Alonso pela casa. Ouvi-o parar em frente da porta do quarto da irmã. Eu estava deitado de frente para a porta e vi-o aparecer do outro lado, silenciosamente, com os olhos irritados.
Alonso olhou-me, perplexo, mas vi uma ponta de alívio no olhar. Observou Bea por uns momentos e depois saiu, fechando a porta.
Tomei atenção a todos os seus movimentos até ele se ter deitado. Só quando percebi que ele tinha adormecido é que descansei.
Bea continuava a dormir calmamente.
Depois daquele encontro, tudo pareceu voltar a estar bem.
O meu telemóvel, no silêncio, voltou a dar sinal de chamadas não atendidas e de mensagens. Sem a acordar, peguei no telemóvel e percebi que eram todas de John, de Milena e de Federico. Apressei-me a mandar mensagem ao Federico a dizer que estava bem e depois voltei a guardar o telemóvel.
Embrenhei-me novamente no pequeno mundo de Bea, tranquilo, sem querer saber do que estava a acontecer à nossa volta. Até o sol nascer, estava decidido a aproveitar o facto de estar ali com o ser que eu mais amava no mundo.

a herdeiraOnde histórias criam vida. Descubra agora