- Ainda estás em casa? - perguntei, estranhando ver o meu irmão sentado à mesa, na cozinha.- Sim, só entro às 23 horas - disse ele e, em seguida, olhou para o relógio para se certificar de que não estava atrasado - E tu? Pareces preocupada...
- Não, não estou. Só estou cansada - bocejei - Hm olha, ontem andei a passear pela casa e reparei que a porta do sótão está trancada...
Alonso levantou os olhos dos papéis que estudava e olhou-me com curiosidade - Porque é que queres entrar no sótão?
- Por nada de especial, só achei estranho que a porta esteja trancada... Gostava de ver o sótão, só por curiosidade. Sabes que eu gosto de cenas antigas e a casa, parecendo que não, já é antiga... Pensei que no sótão pudesse haver objetos antigos como na biblioteca - tentei explicar, gaguejando imenso com medo de dar demasiado nas vistas.
- Estiveste na biblioteca? - ele parecia demasiado nervoso para quem já estava habituado a ter uma irmã louca por livros - Viste os objetos antigos?!
- Hm sim, abri os armários por curiosidade e encontrei-os... - tentei mostrar-me normal - Mas porquê?
- Ah por nada, por nada... - tentou disfarçar - Mas não, não sei da chave do sótão. Provavelmente foi a avó que trancou o sótão, a chave deve andar por aí perdida.
- Okay - encolhi os ombros e saí da cozinha, subindo as escadas até ao meu quarto.
Atirei-me para cima da cama e peguei no meu telemóvel, marcando o número da Alexa e ligando-lhe pela milésima vez na última hora. E, mais uma vez, não me atendeu, o seu telemóvel estava desligado.
A minha preocupação aumentava a cada minuto que passava. Estava sempre à espera de receber alguma mensagem sua a dizer desculpa, não posso atender porque estou ocupada, mas está tudo bem, ligo-te mais tarde, ou algo do género, mas o tempo passava e continuava sem receber notícias dela. Algo me dizia que tinha acontecido alguma coisa, mas não tinha forma de confirmar esse meu pressentimento.
E dei por mim a pensar em Lorenzo. Naqueles olhos azuis. Naquela voz suave com um pouco de rouquidão. Ainda mal acreditava que ele tinha vindo falar comigo.
Ao pensar nele, fui invadida por um mau pressentimento.
Engoli em seco, cada vez mais preocupada. A minha cabeça estava mergulhada numa nuvem negra.- Vou trabalhar - avisou o Alonso, aparecendo à porta do meu quarto e assustando-me - Calma! Estavas assim tão distraída?
- Desculpa... sim, estava - respondi, atrapalhada, ainda com o coração a mil - Bom trabalho!
- Obrigado! - e já descia as escadas.
Minutos depois ouvi a porta de entrada a abrir e, depois, a fechar e a ser trancada à chave (algo que ele fazia sempre que me deixava sozinha em casa).
Suspirei e tentei concentrar-me. Alonso parecia comprometido quando lhe falei do sótão. E tornou-se ainda mais suspeito quando soube que eu tinha andado a vasculhar a biblioteca. O que é que ele estaria a esconder?
Levantei-me e saí do quarto. Percorri o corredor até ao quarto em frente às escadas que davam para o andar de cima. Levei a mão à maçaneta da porta e respirei fundo. Nunca pensara que iria revistar as coisas do meu irmão, mas tinha de o fazer. Tinha a certeza que ele escondia alguma coisa, e tinha de perceber o que era. Desde que os nosso pai morrera e que a nossa mãe e Camila desapareceram, que Alonso parecia andar constantemente a guardar segredos. E eu sabia que ele sabia o que acontecera à nossa mãe e à nossa irmã. Não me queria contar para me proteger? Seria assim algo tão mau?
Entrei no quarto e acendi a luz. O quarto era normal, um pouco desarrumado, com algumas roupas espalhadas ao acaso e imensos papéis do hospital.
Não posso mexer muito nas coisas, para que ele não perceba que eu estive aqui, lembrei-me quando caminhava pelo quarto.
Comecei por revistar os armários. Nada.
Reparei que debaixo da cama ele tinha guardado algumas caixas. Na maioria delas só havia documentos e papeladas. Mas uma das caixas chamou-me a atenção. Tinha alguns documentos e imensas fotografias. Ali no meio, encontrei o testamento do meu pai e o da minha avó. E o que li deixou-me curiosa e intrigada: quando eu fizesse 18 anos, aquela casa seria posta em meu nome, pois a minha avó queria que eu ficasse com a casa e com tudo o que estivesse nela. Seria por isso que o Alonso fizera questão de nos mudarmos para cá quando ficámos sozinhos?
Dentro da caixa estava também um diário. Não consegui perceber quem é que o tinha escrito, mas logo na primeira página estava anexado um envelope com o nome do meu irmão escrito com a letra do meu pai.
Deixei que a curiosidade se apoderasse de mim e abri o envelope, retirando de lá uma folha que me apressei a ler:Filho,
Sei que te queres manter longe dos assuntos de família, mas isto é muito importante.
Estou na reta final da minha vida, não aguento muito mais e custa-me deixar-te sozinho com a Bea. Lamento que a tua avó já cá não esteja para te ajudar, sei que seria tudo muito mais fácil se ela ainda cá estivesse... mas poderás sempre procurar explicações nas coisas dela.
É exatamente sobre isso que te quero falar: neste momento, é o mais importante. O futuro da tua irmã Bea está nas tuas mãos. Como sabes, era vontade da tua avó que a casa de Portugal passasse para a tua mãe e, mais tarde, para a Bea. Mas a mãe desapareceu, foi dada como morta... pelo que a casa foi automaticamente registada em nome da Bea.
Sabes bem que tens de proteger os segredos da família e, mais importante que isso, tens de proteger a Bea. Não deixes que ela descubra tudo antes de estar preparada.
Quando eu já cá não estiver, vai com a Bea para Portugal. Aqui vocês não estão em segurança, e lá poderás preparar melhor a tua irmã para a verdade.
Sei bem que este não era o que sonhaste para a nossa família. Desculpa, não consegui fazer melhor, não consegui manter a nossa família unida.
Boa sorte, e sejam os dois o mais feliz que conseguirem.Senti uma lágrima a escorrer pelo meu rosto quando acabei de ler a carta.
Tal como eu desconfiara, Alonso estava a par dos segredos da família, e sabia perfeitamente o que havia no sótão e, provavelmente, no cofre da biblioteca. Tal como também sabia o que acontecera à mãe e à Camila.
Voltei a guardar as coisas todas no sítio e saí dali. Enquanto caminhava para o meu quarto sentia uma revolta enorme dentro de mim. Eu não fazia a mínima ideia de que aquela casa estava em meu nome, e era frustrante saber que, afinal, a casa era minha e, no entanto, não sabia que malditos segredos eram aqueles que toda a família sabia menos eu.
Que conversa era aquela de me protegerem da verdade? Seria assim algo tão horrível que eu não pudesse saber? Eu já não era nenhuma criança e tinha o direito de saber porque é que perdera a minha família, porque é que fui quase forçada a mudar de país e a viver só com o meu irmão!
Entrei no meu quarto e bati com a porta, tentando controlar a raiva. Eu precisava de encontrar as coisas da minha avó, eu precisava de conseguir abrir o maldito cofre e também precisava de conseguir abrir a porcaria da porta do sótão! Eu precisava de saber o que é que toda a gente me andava a esconder!

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a herdeira
Vampiros(história em pausa) Uma casa no meio da floresta, fechada há 28 anos. Uma biblioteca que esconde um cofre. Um sótão fechado à chave. Uma floresta onde acontecem coisas estranhas. Dois desaparecimentos e uma morte suspeita. Uma história com 50 anos...