1 - Imagem Pública, Noivado E Cabular Aula

13.9K 634 444
                                    


Certo, talvez eu esteja um pouco estressada — e quem não está, hoje em dia? —, mas não foi estresse que fez com que eu cabulasse a aula de Educação Doméstica para ficar na sala de leitura acompanhada de um livro da Agatha Christie e escutando música — que foi o motivo de eu ter sido direcionada para a sala da orientadora dessa vez —, mas foi o que ela afirmou. A orientadora, eu quero dizer.

Não foi mesmo estresse. Eu apenas não estava disposta a ficar uma hora tentando elaborar um cardápio para um ficcional jantar para os maiores líderes mundiais – sim, essa era a atividade da aula. É claro que eu não disse isso a ela. Por isso ela chegou à conclusão que meus "problemas para lidar com obediência às regras estabelecidas" e minha "impulsividade são consequências de níveis elevados de estresse". Ou pelo menos, foi o que ela me disse, com aquele sorriso doce de sempre. Ela sugeriu que eu usasse alguma atividade como "válvula de escape", já que claramente eu preciso de uma. Válvula de escape, eu quero dizer. Um esporte, talvez...

Ok, porque com certeza eu conseguiria encaixar qualquer outra atividade na minha agenda.

Mas, sério, quem não estaria estressada se fosse princesa de um país, assim como eu? Isso aí: prin- ce- sa. Sarah Valentina Albertini Montenegro, princesa real do Reino de Veritas.

E, deixa eu dizer, ser uma princesa não é nem de longe tão legal quanto você possa imaginar. Não mesmo. Para começo de conversa eu:

a) sou obrigada a estudar em um internato. Ou seja, eu moro na escola. De segunda a sexta, pelo menos — algumas alunas com menos sorte que eu, moram longe o bastante para precisar passar o final de semana por lá e isso deve ser realmente uma tortura. E não é como morar em Hogwarts o ano todo. Quem me dera. Não. Na verdade, é quase tão entediante quanto uma escola militar;

b) aproveitando a deixa, eu também não posso aparecer em público com camiseta de banda – não é como se eu não fizesse isso sempre, mas eu não devia. Minha mãe vive repetindo que não é de bom tom que a princesa apareça com jeans rasgado e tênis;

c) eu sou obrigada a frequentar festas chiques e sem graça. Sim, porque essas festas da alta sociedade veritana não são divertidas. Na verdade, não chegam nem perto disso. A gente só fica vendo as mesmas pessoas sempre, com suas taças de champanhe francês e sua orquestra tocando música clássica para ninguém apreciar. E nem é uma música clássica realmente legal é só, tipo, música ambiente.

d) eu não posso sair livremente por aí. Eu preciso sair sempre acompanhada de, pelo menos, um segurança. Sim, para qualquer lugar. Sabe o quanto é difícil ter qualquer relacionamento quando você anda com um irmão siamês para cima e para baixo? Às vezes eu tenho vontade de sair fora tipo a Elsa em Frozen, fugir pra qualquer lugar enquanto canta Let It Go.

De qualquer forma, era sexta-feira e, com sorte esse incidente não chegaria aos ouvidos da minha mãe. Sobre a aula que eu tinha cabulado, quero dizer. Tipo, não é como se fosse a primeira — e provavelmente também não seria a última.

Mas aquela sexta-feira já seria bastante incomum apenas por ser a primeira do semestre em que eu não levava nenhum dever de casa — eu tinha me desdobrado durante a semana para terminar todos os trabalhos, lições e projetos — e não tinha nenhum evento, festa, jantar ou o que quer que fosse agendado. Portanto, o meu plano era assistir Arrow e dormir o fim de semana inteiro.

Mas nada poderia ser mais inusitado que minha mãe ir me buscar na escola. Sim, porque o lance era que minha mãe estava sempre muito ocupada com seus próprios compromissos e tal.

E, no entanto, ali estava ela na entrada da escola, em um conjunto preto e saltos altos nos quais ela andava muito bem sobre o cascalho. Os cabelos lisos e grossos, como os meus, estavam soltos — ela tinha feito um corte curto recentemente. Ela abriu um sorriso largo ao me ver. Um sorriso largo demais para parecer natural. Principalmente porque ela viu a roupa que eu estava usando — um short jeans, tênis All Star e uma camiseta da Pitty — e continuou sorrindo. Isso era estranho.

RealOnde histórias criam vida. Descubra agora