64 - Roupas, Confrontos e Heliportos

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— Aonde você pensa que vai com essa roupa?

Levantei a cabeça de imediato quando minha mãe falou isso. Eu estava sentada no chão da sala de estar, preenchendo uma pilha de formulários da escola — matrícula, ocupação do dormitório, disciplinas opcionais e mais um monte de baboseiras. Mas apesar de estar vestindo uma calça jeans, uma camiseta preta e estar descalça, eu estava absolutamente paradinha, não havia motivo para minha mãe reclamar por eu sair com aquela roupa.

Percebi, enfim, que minha mãe, que estava sentada em uma poltrona assistindo Ghost, Do Outro Lado da Vida pela centésima vez, na verdade estava olhando para o Felipe, que aparentemente acreditou que fosse passar despercebido. O lance é que ela nunca precisava chamar a atenção do meu irmão por causa das roupas, por isso a minha estranheza.

— Vou sair — ele respondeu, com um tom objetivo. Ele estava vestindo basicamente a mesma coisa que eu, porém, calçava tênis azuis-marinhos. Ele estava em pé à porta.

— Para onde, Felipe? — Minha mãe insistiu, agora soando dura.

— Não se preocupe. Ninguém me verá vestido assim.

Sem esperar resposta, ele saiu da porta e sumiu de vista. Definitivamente, ele parecia nervoso, tenso. Havia algo de errado com ele, na minha opinião. Minha mãe bufou, irritada, mas não foi atrás dele, como teria feito comigo. Em vez disso, apenas voltou sua atenção para a tevê novamente, enquanto eu voltava ao meu questionário a respeito de possíveis alergias, intolerâncias ou restrições alimentares.

Quinze minutos depois, foi a vez do meu pai aparecer à porta. Ele estava totalmente arrumado em um terno cinza-escuro, mas parecia agitado.

— Vocês viram o Felipe? — A tentativa dele de soar casual não foi bem-sucedida.

Minha mãe pausou o filme na cena em que o Patrick Swayze tenta convencer a Whoopi Goldberg cantando Um Elefante Incomoda Muita Gente.

— Ele saiu há uns quinze minutos — ela disse. Diante da expressão de desagrado do meu pai, ela acrescentou, alarmada. Por quê? Qual o problema?

Balançando a cabeça, ele respondeu:

— Nenhum. — Vendo que não estava convencendo ninguém e sob o olhar crítico da minha mãe, ele cedeu: — Receio que ele planeja fazer alguma besteira.

— Que tipo de besteira? — Perguntei. Era a minha vez de começar a ficar agitada e preocupada.

— Não te interessa — ele foi rápido na resposta. Saindo em seguida, mesmo que minha mãe tivesse gritado seu nome e começado a levantar.

Mais rápida que ela, levantei de um salto e corri atrás dele, o alcançando antes do fim do corredor.

— Pai — chamei. Ele não parou: — Pai! Aonde o Felipe está indo?

— Volte aos seus afazeres, Sarah! — Foi tudo o que ele respondeu.

Com o coração na garganta, falei a desconfiança que me consumia nos últimos dias:

— Ele foi à Nova Germânia, não foi?

Meu pai estancou onde estava e se voltou lentamente para mim:

— Não sei sobre o que você está falando.

— Estou falando sobre hoje ser o dia que o rei vai fazer um discurso oficial. Os portões do palácio estarão abertos para a população. É para lá que o Felipe vai, não é?

Eu não fazia ideia de onde tinha tirado essa coragem. Eu estava confrontando o meu pai. Ele estreitou os olhos ameaçadoramente.

— Como você sabe sobre o discurso e os portões?

— Como eu sei é irrelevante.

Eu sabia perfeitamente que minha mãe estava parada poucos metros atrás de mim e que podia ouvir cada palavra da nossa discussão. E certamente ela sabia qual era a fonte das minhas informações privilegiadas.

— Sarah, não seja insolente — ele falou, entredentes.

— Qual é o plano, pai? — Minha voz parecia calma, mas eu sabia que estava a um passo de surtar completamente. — O que o Felipe pretende fazer? — Subitamente, o que ele havia dito no outro dia saltou da minha boca: — O que ele queria dizer com "podemos acelerar as coisas"?

— Já chega! — Ele vociferou. — Saia já daqui, Sarah! Vá para o seu quarto!

Mas, sinceramente, essa era a última coisa que estava nos meus planos naquele exato momento. Quero dizer, eu voltei a passos rápidos pelo corredor e subi as escadas até o meu quarto, sim. Mas eu não tinha a menor intenção de ficar ali. Em vez disso, eu peguei os meus tênis no closet e os calcei o mais rápido possível, enfiando meu celular no bolso de trás da calça enquanto saía outra vez. Desci as escadas ao mesmo tempo em que prendia meu cabelo em um rabo-de-cavalo.

Minha mãe estava ao pé das escadas, como eu esperava, com uma expressão entre irritada e apreensiva.

— Você também vai sair. — Não foi uma pergunta.

— Sim — respondi, objetiva. A encarei seriamente. — Eu preciso fazer isso. Não se preocupe, não vou fugir.

Antes que ela pudesse protestar, me apressei em sair pela porta da frente. Instintivamente, meus olhos procuraram pela Felícia e percebi que ela já vinha na minha direção, me seguindo.

— Vai sair, alteza? — Ela perguntou.

— Sim e eu preciso de um motorista — falei, direta.

Percebendo a urgência na minha voz, ela pegou o rádio e passou uma mensagem para alguém. Em um piscar de olhos, um dos carros pretos oficiais estava parado à entrada. A Felícia me acompanhou de perto quando desci os degraus da entrada e me acomodei no banco de trás do carro. Fiquei feliz de ver que era o meu motorista de sempre ao volante. Ele não fez perguntas quando falei para seguir o meu pai até o heliporto e que precisava ser o mais rápido possível.

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Oi, oi

Capítulo um pouquinho mais curto porque os próximos vão pegar fogo... Aguardem

Bjs

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