66 - Pistolas, Desequilíbrios e Declarações

2.2K 302 78
                                    

— Felipe, o que você está fazendo com isso? — Perguntei, cada vez mais tensa.

— Não é óbvio?

E era óbvio. Era certamente a pistola que nosso pai guardava em um fundo falso na segunda gaveta da mesa do escritório e que ele achava que era um segredo, mas nós dois descobrimos o esconderijo anos atrás. Ele continuou:

— Eu estava pensando em um jeito de me aproximar do príncipe. Foi muito fortuito que você o tenha atraído até aqui.

Cara, eu sabia que o Felipe pretendia fazer algo contra o Christopher. A intenção certamente era causar um incidente internacional capaz de fazer com que o rei de Nova Germânia declarasse de vez a guerra. Mas eu não percebi que nunca cheguei a cogitar a hipótese de que meu irmão pretendesse matá-lo.

— Felipe, escuta, você não pode fazer isso — falei o óbvio suavemente. Na verdade, ei sentia minha voz tremer, assim como as minhas mãos.

— As coisas precisam acontecer, Sarah.

Meu irmão não era uma pessoa ruim. Eu podia ver como ele estava pálido e trêmulo. Mas ele tinha sido manipulado durante toda a vida para acreditar que nossos vizinhos eram perfeitos vilões do cinema, não pessoas comuns com defeitos e qualidades. Ele nunca tinha tido a chance de conhecer outra perspectiva.

Hesitante, ele empunhou a pistola, a destravou e apontou para o meio do peito do Christopher, que ficou imóvel, apenas fitando-o com cautela. Sem pensar, me coloquei na frente do Christopher.

— Não! — Eu estava quase gritando, histérica. Eu podia sentir o meu corpo inteiro tremer. — Não, Felipe!

— O que você está fazendo!? — Eles falaram em uníssono. Se eles tivessem ensaiado não teriam um resultado tão perfeito.

— Eu não vou deixar que meu irmão atire em você! — Falei para o Christopher, olhando-o por sobre o ombro.

— Sarah, saia já daqui! — Por incrível que pareça, foi o Christopher que disse isso. Será que ele não via que naquele momento eu era a única coisa entre ele e uma bala calibre vinte e dois?

— Não! Você pode morrer, não percebe? — Dessa vez eu não virei para poder falar com ele, em vez disso continuei olhando para o Felipe.

— Você também. E, sinceramente, minha vida nem está mesmo um céu de brigadeiro que eu queira preservar. — Ele tentava parecer tranquilo, mas eu notava claramente a tensão na voz dele. — Eu não sou mais importante que você.

— Para! Para, eu não vou sair daqui — eu podia perceber como minha voz estava soando aguda até aos meus ouvidos, mas eu não podia me permitir ficar histérica.

— Sarah, sai daqui, por favor. — Dessa vez, a seriedade na voz dele era quase palpável. Ele estava suplicando.

Eu achei que o Felipe ia dizer algo ofensivo, mas em vez disso, via a mão dele vacilar quando ele mandou:

— Sai, Sarah.

— Não. Vocês dois estão ficando loucos. Eu não vou ver você morrer — lancei um olhar fugaz para o Christopher, que soltou um suspiro frustrado que significava um milhão de coisas — e também não vou ver você se tornar um assassino. — Fitei o meu irmão e, com cautela, dei um passo em sua direção.

Ele segurou a arma com mais firmeza quando sua mão vacilou outra vez. O dedo ainda no gatilho.

— Sarah...

— Felipe, não faz isso. Abaixe essa arma. A gente pode conversar. Essa... essa história da guerra não é bem como você está pensando.

Meu coração batia tão rápido e eu podia sentir a adrenalina correndo nas minhas veias.

— Do que você está falando? — Ele titubeou.

— O papai está mentindo sobre as ameaças à Veritas. — O olhar dele oscilou quando ele piscou, confuso. — É o papai que está ameaçando Nova Germânia.

— O quê!?

Como se tivesse brotado do chão, meu pai apareceu, acompanhado por dois guarda-costas e pela Felícia — ela arregalou os olhos ao ver a situação na qual eu me encontrava. Ele parecia agitado e vermelho como se tivesse corrido.

— Felipe — meu pai falou autoritário —, não faça isso. Baixe essa pistola.

— Não!

Os seguranças, atordoados, sacaram as armas, mas não é como se eles pudessem fazer algo. Eles não iriam atirar no príncipe.

E, aliás, onde estavam os guardas do palácio quando se precisava deles? Mas, céus, o que eu estava pensando, afinal? Se os guardas do palácio aparecessem, eles não hesitariam em atirar no meu irmão para salvar o Christopher!

— Felipe — meu pai continuou, agora tentando soar mais tranquilizador: —, vem aqui. Me dá a arma.

Enquanto falava, ele se aproximou do gazebo e parou aos pés dos degraus. Subitamente, meu irmão virou a cabeça na direção dele, mantendo a pistola apontada para a frente. Perguntou, irritado:

— É verdade? É verdade o que a Sarah disse? O senhor anda ameaçando-os?

O Felipe o perscrutou com o olhar, pronto para reconhecer qualquer mínimo indício de mentira. Meu pai titubeou. Ele me lançou um olhar.

— Pai... — eu comecei a falar, mas parei, sentindo um nó na garganta. Eu estava angustiada demais para conseguir argumentar com ele agora.

Ele voltou o olhar para o Felipe. Uma pausa cheia de tensão pairava.

— Sim. É verdade.

O Felipe soltou um suspiro muito pesado. Em seguida, baixou as duas mãos, visivelmente trêmulo. A sua testa suava. Imediatamente meu pai e eu corremos em sua direção. Me aproximei mais rápido e tirei a pistola de sua mão. Ele não resistiu. Segurando o objeto como se fosse algo nojento, o entreguei a um dos guardas.

Se esquivando do meu pai, o Felipe veio até mim. O abracei.

— Está tudo bem — sussurrei. — Calma. Você fez a coisa certa.

Certamente se estivéssemos a sós, ele teria deixado rolar algumas lágrimas, mas naquele momento ele se resumiu a respirar fundo algumas vezes. Quando o papai tentou tocar as costas dele, ele se desvencilhou dos meus braços.

— Por que você fez isso? Por que mentiu sobre a guerra? Nós nunca corremos nenhum perigo. — Eu não lembrava de alguma vez já ter ouvido meu irmão falar assim com o papai. Ele o idolatrava. Dava para ver a decepção em seus olhos.

— Tudo por causa de um território que não é nosso há décadas — murmurei. — Tudo isso. Todas as restrições, as histórias sobre Nova Germânia ser uma filial do inferno ou algo assim... Não é justo.

— Vocês dois acreditam que podem julgar a situação.

— Pai, até nós temos idade para perceber que as coisas estão passando dos limites — o Felipe continuou. — Eu podia... Céus, eu nem posso imaginar!

Acho que a percepção de tudo que estava acontecendo o acertou em cheio porque de repente ele lançou um olhar fugaz para o Christopher e saiu do gazebo rapidamente. Meu pai o seguiu, assim como os seguranças — apenas a Felícia ficou por perto.

RealOnde histórias criam vida. Descubra agora