70 - Coroações, Familiares e Esperanças

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Uma vez que já era oficial e tudo mais, achei que a cerimônia de coroação do Christopher aconteceria em breve, mas, na verdade, foi organizada para três meses depois. Mesmo que a imprensa já tivesse divulgado tudo.

Não é como se o rei — ou seja lá como eu deva me referir a ele agora — Carlos Alberto estivesse presente. Como tínhamos imaginado, ele tinha preferido se afastar e deu a entender que seria por muito, muito tempo.

Era o primeiro evento oficial que apareceríamos publicamente. E não podia ser mais oficial. Era oficial com tudo que tinha direito. E, sério, eu jamais imaginaria que uma parte tão grande da população estaria presente do lado de fora da maior basílica do país, onde ocorreria a cerimônia. Tipo, tinha gente lotando vários quarteirões, mesmo que a cerimônia estivesse sendo transmitida ao vivo pela tevê e que, na verdade, o pessoal do lado de fora não conseguisse mesmo ver porque o evento era dentro do prédio.

Tecnicamente, o protocolo não exigia que eu estivesse presente em ocasiões assim, já que não éramos casados, mas o Christopher tinha me pedido para ficar com ele. E como eu poderia negar alguma coisa para aqueles olhinhos?

Eu admito, fiquei semanas planejando a roupa que ia usar. Eu tinha escolhido um vestido rosa pálido com mangas ¾ com aplicações de bordado até a cintura e saia rodada um pouco abaixo dos joelhos. Sapatos nude e cabelo preso em um penteado bonito. Na realidade, eu estava mesmo me sentindo bonita. E, ok, tudo isso apenas para ficar sentada em uma cadeira na primeira fileira ao lado dos meus pais — era um lugar de honra, mas não parecia nada demais.

Assim que acabou a cerimônia em si, todos se locomoveram até o palácio, onde haveria uma recepção. O Christopher foi em um desfile em carro aberto pela cidade, basicamente para cumprimentar todas aquelas pessoas que esperavam para vê-lo. Se fôssemos casados, eu teria de ir junto, mas não era o caso — mas admito que estava um pouco apreensiva com essa parte porque vira um filme sobre John Kennedy há pouco tempo e fiquei um pouco paranoica.

Me esgueirei na primeira oportunidade a procura de algo para beber — se aparecesse algo para comer, eu também não recusaria. Não foi difícil. A Cecília praticamente brotou do chão com uma taça com suco de maracujá exclusivamente para mim — basicamente a única pessoa que não tinha idade para ingerir álcool. Certo, eu confesso que ela me mimava um pouco quando eu estava lá. Na realidade, eu fiquei feliz em saber que os funcionários do palácio gostavam sinceramente de mim o bastante pra me "mimar" mais do que havia a necessidade, mesmo depois de descobrirem que eu mentira enquanto estive lá — apenas a Isadora chegou mesmo a achar que eu a mandaria ser demitida porque ela foi um pé no saco quando trabalhamos juntas; claro que não a demiti, apenas pedi que ela fosse menos desagradável com as próximas "novatas".

Era quase três da tarde. Era um alívio que eu não fosse precisar voltar para casa no mesmo dia. Não que meus pais deixassem que eu dormisse em Nova Germânia sempre. Eles não deixavam. Só às vezes, já que o Christopher, sendo o rei, não podia ficar se deslocando para Veritas todo final de semana. Então, em finais de semana alternados, eles me deixavam ir para Nova Germânia de avião na sexta-feira à noite e voltar no domingo. Claro, com um milhão de recomendações para a Felícia e meus outros seguranças não saíssem da porta do meu quarto à noite sob nenhuma circunstância. Eu não os culpo, já que, embora eles não soubessem, houve mesmo aquela vez em que eu dormi no quarto do Christopher séculos atrás.

Antes que eu chegasse ao final do meu suco, a Cecília passou por mim outra vez e murmurou, com um sorrisinho discreto:

— Acho que alguém está procurando a senhorita...

Virei para olhar. Embora meus pais, assim como muitos líderes mundiais estivessem ali, não devia ser nenhum dos dois. Só podia ser o Christopher. Ele tinha se aproximado de mim pela primeira vez naquele dia. Ainda não tínhamos tido tempo para nada além de algumas trocas de olhares cúmplices.

Ele estava lindo em um terno azul bege perfeitamente alinhado e parecendo destacar ainda mais sua postura impecável. Ele tinha penteado o cuidadosamente e cada detalhe nele parecia metodicamente arrumado. Porém, mais do que isso, algo nele irradiava uma energia invisível. Ou talvez desse para ver, sim. Estava bem ali nos olhos dele, que brilhavam mais que o normal. Apesar do semblante solene, ele estava exultante. Se fizesse o seu feitio, ele estaria sorrindo de orelha a orelha. Mas não fazia.

— Parabéns — falei, baixo. Ele deu um sorriso fugaz, sem conseguir se conter. Eu, por minha vez, precisei conter a vontade de beijá-lo demoradamente.

Suspirei, e ele deve ter percebido, porque me lançou um olhar divertido. Era o máximo que iríamos fazer. Por causa do protocolo, não podíamos nos tocar muito efusivamente em público.

— Obrigado, senhorita — ele respondeu, descontraído. Depois acrescentou. — Eu quero te apresentar à algumas pessoas.

— Você sabe que não gosto de ficar trocando conversas amenas com políticos e esposas enfadonhos — lembrei-o, revirando os olhos e torcendo para nenhum fotografo ter registrado.

— Eu não faria isso com você propositalmente — ele garantiu. — Não é disso que se trata. Acompanhe-me.

Antes que eu pudesse protestar mais, ele tirou a taça da minha mão e a depositou na bandeja de um garçom que passava por nós, o que lhe rendeu um olhar enviesado meu. Ignorando completamente meu olhar, ele começou a andar até a parte mais afastada do salão, me guiando. Eu não reclamei, ele parecia estranhamente empolgado.

Ele parou ao lado de uma pilastra e apontou para a frente. A alguns metros de nós, um casal de idosos estava sentado confortavelmente em cadeiras, observando o movimento curiosamente. O homem usava um terno cinza escuro e tinha vastos cabelos prateados — eu não o conhecia, mas algo nele me parecia familiar. A mulher tinha um corte de cabelo curto e elegante e um rosto harmonioso.

O Christopher tinha aberto a boca, mas antes que qualquer coisa fosse dita, a senhora olhou na nossa direção e abriu um sorriso sincero e acolhedor, que indicava nada menos que orgulho e felicidade. E ali estava: aqueles olhos escuros e levemente estreitados. Iguais aos que eu vira em uma fotografia há não muito tempo. Num impulso, segurei o punho do Christopher e sussurrei para ele, agitada:

— São seus avós! — Não foi uma pergunta. A semelhança era mais que evidente.

Ele sorriu para mim, assertivo, surpreso por eu ter identificado com tanta facilidade. Em uma demonstração rara de afeto em público, ele passou uma mão pela minha cintura e depositou um beijo rápido na minha bochecha.

— Sim — ele confirmou, embora não houvesse a necessidade, infelizmente, tirando a mão da minha cintura. — Uma vez que não há mais a obrigatoriedade de seguir as ordens do meu pai e não precisamos lidar com a presença dele, pensei em procurar pela família da minha mãe. Felizmente, eles nunca acreditaram que eu havia me afastado por vontade própria.

Claramente eles estavam felizes em se reaproximar do neto, se aqueles sorrisos queriam dizer alguma coisa. E as coisas começavam finalmente a andar nos trilhos. Ok, não era tudo perfeito ainda e o Christopher e eu teríamos uma pilha de coisas com as quais precisaríamos aprender a lidar.

O lance é que ter um relacionamento — assumido publicamente dessa vez —, a exposição à mídia por causa das questões políticas, lidar com a minha família — embora estivesse um pouco melhor agora, já que meu irmão até gostava do meu namorado em vez de tentar mata-lo a tiros — e equilibrar tudo com meu rendimento na escola não era mesmo muito fácil. Mas eu estava exultante em perceber que as coisas estavam começando a dar certo.

Fim

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Oi, oi

Chegamos ao final da história. E eu só queria agradecer por cada visualização, cada voto e cada comentário. Cada sugestão, cada reação e todo o carinho comigo e com nossos personagens durante essa trajetória.

Quando comecei a idealizar e postar Real, nunca imaginei que fosse chegar tão longe. Pode parecer pouco, mas eu não esperava alcançar mais de 10 mil visualizações - eu bem sei que não divulguei a história o suficiente -, e menos ainda que chegaria a long list do prêmio wattys 2018. 

Vocês foram incríveis! E não fazem ideia de como vocês me estimularam a continuar a história, mesmo nos meus piores momentos. 

Só posso agradecer, de verdade. De todo coração. Amo cada uma de vocês. Sintam-se abraçadas.

Bjs

RealOnde histórias criam vida. Descubra agora