4 - Jantares, obrigações e fertilidade

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— O Sebastian não pode comer camarão, sabe — a rainha Lorena anunciou para mim, me tirando dos meus devaneios. Ela era uns vinte anos mais nova que o rei, morena e vestida com elegância, embora seu sorriso excessivamente branco parecesse ser uma dentadura.

Dei uma olhada para o prato principal que era servido. Tipo, toda a refeição era composta de minúsculas poções de figo ao brie e brandy na entrada e camarão ao curry e alho-poró como prato principal — diga-se de passagem, o camarão mal dava para tampar o buraco do dente, mas eu nem estava com vontade de comer, de qualquer forma. Percebi que o Sebastian comia apenas o arroz no prato, separando metodicamente com cara de aborrecimento — e de nojo. O que dizer sobre ele? Ele era, no mínimo doze anos mais velho que eu, tinha uma cara redonda que me lembrava uma Trakinas e um cabelo penteado num topete ao melhor estilo a-vaca-lambeu. Na verdade, ele dava a impressão de sempre estar enojado com alguma coisa.

— Ele é alérgico a camarão? — Perguntei, com pouco mais que desinteresse. Sem querer ser maldosa, mas não é como se eu fosse ficar triste se ele começasse a inchar como um balão e entrasse em choque anafilático.

— Ah, não! — Ela garantiu. — Ele não gosta.

— Oi? Ele não gosta!? — Exclamei, surpresa.

Vi os olhos da minha mãe me fuzilarem do outro lado da mesa comprida. Como ele podia não gostar de camarão? Quem não gosta de camarão?

— Exatamente — a rainha continuou, sorrindo, como se eu não estivesse surtando. — Ah, ele também tem intolerância a lactose.

— Hum — falei, ainda mais desinteressada.

— Recentemente ele começou uma dieta sem glúten, sem açúcar e sem gordura.

O pai dele gracejou, rindo com a esposa:

— Ele diz que está saindo muito gordo nas fotos.

Eu não ri. O príncipe fechou um pouco mais a cara. Acabei pensando alto:

— Não dá para usar Photoshop? — Vi que minha mãe me fuzilava outra vez, mas dessa vez o Sebastian fazia o mesmo, o que me surpreendeu, porque eu achava que ele fosse um robô ou qualquer coisa do gênero.

Ele nem estava realmente gordo. Pelo visto, ele estava mesmo era paranoico. A mãe dele não pareceu notar nem o comentário, nem o olhar cortante que seu filho me lançou, prosseguindo:

— Quando vocês se casarem e você vier morar conosco, você precisará aprender tudo isso, porque você vai precisar cuidar do Sebastian. — Ela lançou um olhar meloso para o filho.

— Como assim, "cuidar dele"? — Perguntei.

— Você sabe, se certificar que ele siga a dieta, coma nas horas certas... essas coisas. — Ela deu um sorriso cristalino para mim.

Eu olhei para ela, confusa.

— E, por acaso, ele não sabe fazer isso sozinho? — Lancei um olhar fugaz na direção do Sebastian, que não devia mais estar interessado na discussão sobre o futuro de sua vida. — Eu quero dizer, ele me parece bem grandinho para ser capaz de comer nas horas certas — finalizei, veemente, fazendo com que minha mãe parecesse perto de soltar fumaça pelas orelhas.

O sorriso da rainha Lorena diminuiu um pouco e ela emendou, com um tom reprovador:

— Querida, homens não se preocupam com esse tipo de coisa. Isso é obrigação da mulher — explicou pacientemente. Ergui uma sobrancelha, enquanto ela adicionava: — Além do mais, assim você já vai treinando para quando vierem os bebês. Nós os queremos em breve, não é mesmo?

Bebês!? — Quase cuspi na cara dela o suco que acabara de pôr na boca.

— Sim, claro — foi o rei Luís quem respondeu, brusco. — A senhorita já deve saber que estamos planejando o casamento para fevereiro. — Os outros dois membros da família vendrediana assentiram com a cabeça.

— Não, eu não sabia... — Lancei um olhar acusador à minha família, que agora parecia ressentida por não ter me contado um detalhe tão importante. Que o casamento seria em menos de cinco meses!

— De qualquer forma, nós esperamos herdeiros ainda no próximo ano — o rei concluiu.

Herdeiros!? — Repeti, aterrorizada. — Vocês esperam que eu tenha filhos no ano que vem!?

Eu estava absolutamente chocada. Filhos? No próximo ano? Isso era ridículo. Não que eu não quisesse ter filhos e tudo mais. Porque eu queria. Mas não agora. Não mesmo. Eu mal sabia amarrar meus cadarços sozinha, como eu teria filhos?

Céus! Espera aí. Para ter filhos com o Sebastian, obviamente nós teríamos que... você sabe, fazer sexo. Eca! Essa era uma coisa na qual eu não tinha pensado. Eca, eca! Eu devo ter feito uma cara de puro horror, porque o rei emendou:

— A senhorita pode ter filhos, certo?

— Oi?

— Bem — a rainha interveio: —, ela vai fazer todos os exames antes do casamento, não é mesmo querida?

Eu não respondi nada, só conseguia sentir o sangue subindo pelo meu rosto. Onde estava o buraco no chão para me engolir quando eu precisava dele? A última coisa que eu imaginava era que, algum dia, a minha capacidade de reprodução fosse ser discutida na mesa de jantar. Eu só pude ficar lá, estarrecida. Minha mãe veio em meu socorro:

— Claro, claro... Mas podemos falar sobre isso outra hora.

Talvez meu pai finalmente tenha ficado incomodado com a perspectiva de que um cara ia "deflorar" sua única filha, porque ele desviou a conversa, falando:

— Então, Sebastian — ele não se importou e usar toda a linguagem formal e pronomes de tratamento, o que fazia sentido uma vez que o cara pretendia se tornar seu genro muito em breve: —, o que você faz? Você trabalha com o seu pai, já está aprendendo a governar o país?

Sei que o Sebastian respondeu qualquer coisa sobre estar focado na faculdade de administração, mas, sinceramente, eu não estava prestando atenção em mais nada. Absolutamente nada do que estava sendo dito ali me importava. Eu só conseguia pensar em uma coisa: eu não podia me casar. De jeito nenhum.


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