Não era como se eu tivesse conseguido dormir muito durante a noite. Em vez disso, eu acordei várias vezes depois de sonhos perturbadores. E, ok, eu sei que eu falei que nunca perdia o sono por causa de garotos, mas deve ter uma primeira vez para tudo.
Apesar de afinal ter levantado cedo - eu não conseguia mais pregar os olhos depois das seis da manhã -, eu não estava com a menor vontade de ver ninguém. Por isso procrastinei um bocado, tentando ler. Sem sucesso, já que não era capaz de me concentrar. Tomei banho, fiz hidratação no cabelo - concluí que não seria nada mal cortar as pontas -, o sequei com o secador - algo que normalmente não faço por pura preguiça -, perdi tempo fazendo uma maquiagem básica, que normalmente seria completamente dispensável para mim, só para não parecer tão cansada. Mesmo assim, não pude me controlar e conferi muitas vezes o celular, mesmo sabendo que ele não funcionaria.
Depois de passar vários minutos vasculhando o meu guarda-roupa - não porque estivesse realmente escolhendo algo, mas apenas para passar o tempo -, acabei descendo descer para tomar café. Eu estava com fome. Com cara de poucos amigos, abri a porta e dei de cara com a minha mãe, que estava prestes a bater na porta.
- Ah, você já está de pé - ela constatou, surpresa. - Bom dia!
Ainda era oito da manhã, mas ela já estava completamente vestida, maquiada e equilibrada em cima de um salto. Ela analisou minha roupa da cabeça aos pés e não pareceu satisfeita, mas, ao contrário do que eu esperava, ela não fez nenhum comentário.
Não era como se eu estivesse vestida para uma cerimônia do Oscar, mas não achei que houvesse nada de errado com meus jeans, All Star e camiseta cinza - afinal, eu nem ia sair de casa.
- Bom dia - respondi, sem o menor ânimo, saindo do quarto e seguindo pelo corredor.
- Temos visitas. Acho que você vai gostar de revê-los.
- Ah, é? Quem está aqui tão cedo? - Indaguei, curiosa. - A tia Leandra? - Eu gostava da irmã caçula do meu pai.
- Não.
Eu desci as escadas ao lado da minha mãe. Fosse lá quem fosse, dificilmente conseguiria me deixar feliz. Mas, se eu tivesse que apostar, nunca acharia que as coisas podiam piorar.
Sentados à mesa estavam o Sebastian e os seus pais. Além, é claro, do meu pai e irmão. Todos voltaram a cabeça quando entrei, exceto o Sebastian, que estava mais interessado em seu celular.
Minha mãe fez um gesto me indicando o lugar livre ao lado do Sebastian. Ignorei sutilmente e sentei ao lado do Felipe. Talvez não tenha sido tão sutil, já que o Felipe me lançou um olhar surpreso. Como se nada estivesse acontecendo, me servi de café e pão de queijo, recebendo um olhar de repreensão da minha mãe - certamente ela queria que eu escolhesse a torrada integral com gosto de serragem que ela fazia questão de ter em casa. Ela não precisava se preocupar, porque eu já estava até com o estômago embrulhado agora que tinha visto as visitas - sem falar em todas as outras coisas que já me preocupavam.
Eu não fiquei realmente surpresa quando a rainha Lorena começou, olhando para mim com um sorriso aberto:
- Imagino que a sua mãe tenha te mostrado tudo que adiantamos sobre o casamento enquanto esteve viajando. O que achou?
Pronto! Era exatamente isso que eu temia. Todos os olhos estavam voltados para mim outra vez. Exceto os do Sebastian, claro, porque ainda estavam grudados na tela do celular. A rainha e o rei Luís me encaravam, na expectativa. A minha mãe me olhava apreensiva, enquanto meu pai parecia algo entre preocupado e ameaçador. Respirei fundo uma vez antes de despejar:
- Na verdade, eu não vi. Isso porque eu não estou de acordo com esse casamento.
- O que você quer dizer com isso? - A mãe do Sebastian perguntou. Seu sorriso vacilou, mas não morreu.
Eu achei que tivesse sido muito clara. E provavelmente eu fui, já que agora todos os olhos estavam arregalados. Inclusive os do Sebastian, dessa vez. Ora, afinal de contas, parecia que ele estava ouvindo a conversa.
- O que eu quero dizer - falei, me esforçando para soar calma e racional, apesar de sentir minhas mãos suarem - é que não tenho a intenção de casar com o Sebastian...
Um silêncio sepulcral caiu sobre a sala inteira. Meu coração estava agitado. Eu precisava ficar calma. Não é como se fossem me matar realmente. O som de um talher se chocando contra um prato sobressaltou todos. O rei Luís vociferou, enfurecido:
- Como assim, não vai casar com o Sebastian? O acordo já havia sido feito. E tudo que já gastamos com os preparativos? A sua família não tem palavra?
Quem ele pensava que era para falar comigo assim? Meu pai o encarou, claramente aborrecido. Ao contrário dele, não aumentei o tom de voz, mas a raiva que borbulhava no meu sangue fez com que eu soasse muito firme:
- Exatamente. O senhor fez um acordo com o meu pai. Em nenhum momento eu lembro de ter sido questionada sobre a minha vontade de estabelecer um compromisso com o seu filho. - Acho que o surpreendi, porque ele não me interrompeu, por mais que seus olhos me fuzilassem: - Mas não culpe meu pai também, ele supôs que eu aceitaria sem objeções. Acontece que eu não aceito. Não me importam as ameaças que meus pais façam. Pode ficar à vontade para dizer o que quiser sobre mim também. Eu não me importo.
Parei para respirar e me dei conta de todo o choque que eu estava causando. Minha mãe me encarava com verdadeiro assombro, assim como meu irmão. Me voltei para o Sebastian:
- Isso não tem nada a ver especialmente com você - disse, um pouco mais tranquila. - Eu não estou pronta para casar com ninguém no momento. Eu sei que você vai encontrar a pessoa certa para você, mas essa pessoa não sou eu.
Lentamente, levantei da cadeira e me afastei da mesa. Antes que alguém pensasse em me deter, atravessei a sala a passos largos. Assim que alcancei a porta da sala de jantar, corri o mais rápido que pude. Só parei depois de atravessar metade do palácio e me ver em frente à sala de música. Lutei para recuperar o fôlego e só então reparei que a Felícia me seguira. Eu achei que ela ia me dar uma bronca, mas em vez disso, ela me surpreendeu falando respeitosamente:
- Alteza, tomou a decisão certa dessa vez. - E sorriu.
Sério. Ela sorriu. E logo depois, abriu a porta da sala de música para que eu entrasse, se postando no corredor.
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Real
Ficção AdolescenteSarah achava que já tinha problemas demais para lidar entre a escola, as cobranças da família, o seu namorado secreto e o fato de ser uma princesa em um país prestes a entrar em guerra com seu vizinho. Mas percebe que as coisas podem ficar ainda mai...