45 - Comportamentos, Embaraços e Cinderela

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Com um olhar desconfiado na direção da Cecília, me dei ao luxo de sentar na beirada da cama do Christopher - deixa só eu dizer uma coisa rápida: o colchão dele era macio à beça e era de se imaginar o que ele fazia ali, já que não dormia por causa da insônia. A Cecília me fuzilou com os olhos quando viu, mas não disse nada, uma vez que o próprio Christopher não parecia ter se incomodado.

Ele se acomodou a cama de novo, mas dessa vez não apoiou as costas, apenas sentou no meio do colchão. Dei uma olhada para ele perscrutando seu rosto. Era possível que algum dos remédios estivesse começando a fazer efeito? Embora ele parecesse um pouco mais agitado que o normal, seus olhos, em geral transparente como cristal, davam a impressão de estar levemente nublados.

Cruzei as mãos sobre o colo e, ignorando o olhar examinador da Cecília, perguntei:

- E então - ele mirou meu rosto, ouvindo atenciosamente -, você quer me contar qual é o lance com esse seu terror por medicamentos?

Ele me olhou de um jeito meio desconfiado, como se estivesse em dúvida se responderia. Ele olhou nervosamente na direção da Cecília. Até onde eu podia me lembrar, ele nunca tinha se recusado a responder uma das minhas perguntas - e olha que eu já tinha feito perguntas pra lá de pessoais -, mas talvez a presença da Cecília no recinto o estivesse intimidando. Ele encarou o colchão abaixo de nós, falando tão baixo que quase não pude ouvir.

- Quando eu era criança... logo depois que minha mãe faleceu... digamos que não foram os meus melhores momentos. - Parecia que ele tinha esquecido de repente que não estávamos às sós e levantou a cabeça para me fitar. - Eu tive crises de ansiedade e pânico, problemas para dormir...

- Estresse pós-traumático - concluí. Não foi uma pergunta.

- Exatamente. - Ele parecia surpreso por eu ter sugerido um diagnóstico tão acertado.

- E você ainda sofre de estresse pós-traumático? - Tentei soar o mais afável possível. Quero dizer, pelo menos o mais afável que eu poderia ser enquanto perguntava a ele sobre seus problemas psicológicos.

Mas agora ele parecia tranquilo. E não tranquilo sobre falar a respeito dessas coisas, mas tranquilo demais para todos os padrões dele. Acompanhei com os olhos o movimento quando ele apenas encolheu os ombros e murmurou:

- Eu não utilizo mais medicamentos, se é isso que você quer saber. - Ele parecia ter esquecido mesmo que a Cecília ainda estava por ali, porque jamais me chamaria de "você", se lembrasse. Ele continuou: - Durante dois anos e meio, eu segui um tratamento com medicamentos pesados, que faziam com que eu me sentisse dopado frequentemente. Hoje em dia, eu tenho esse impulso de evitar a todo custo.

Me ajeitei na cama e pontuei:

- E mesmo "meio dopado" já tinha terminado o ensino fundamental aos dez anos.

Ele riu um pouco, de um jeito leve e despreocupado que eu ainda não conhecia. Testei um olhar de esguelha na direção da Cecília. Ela se ocupava em desfazer a mala do Christopher metodicamente, mas eu podia apostar que ela ouvia cada palavra da conversa - ela até parecia um pouco incrédula por ouvir uma risada vinda dele.

- Sarah? - Ele chamou. Assim mesmo, pelo meu nome, não por "senhorita" ou sei lá o quê.

- Pois não? - Atendi, lançando a ele um olhar significativo, que se ele chegou a notar, ignorou solenemente.

- Me beija - ele pediu simplesmente, como se pedisse para que eu lhe passasse o saleiro.

Por minha vez, só pude encará-lo total e completamente estupefata - eu tinha certeza que meus olhos dobraram de tamanho. Se eu tinha alguma dúvida que a Cecília estava escutando, esta caiu por terra porque ela olhava de mim para ele, perplexa. Senti meu rosto esquentando como nunca na vida - mais até que no dia que eu levei um tombo dançando quadrilha no segundo ano.

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