Provavelmente, a Sayuri ficou mais satisfeita que eu por meus pais finalmente terem me liberado para sair. Digamos que entre a minha fuga e eu ter acabado com todo o plano que haviam feito para mim, não tinha mais muita coisa que pudesse ser resolvida me mantendo presa em casa — além do mais, começaria a parecer estranho se eu não fizesse mais nenhuma aparição pública na vida.
Sabendo disso, a Sayuri não perdeu tempo em me chamar para ir até a sua casa. Ela me contou que o Isaac, o garoto com quem ela andava trocando flertes, havia voltado de viagem e a convidado para sair — ir assistir uma comédia romântica e tal. Ela queria que eu a ajudasse a escolher uma roupa.
A Sayuri nunca tinha saído com um garoto e, por algum motivo, ela achava que era uma especialista. Tipo assim, essa era a ideia mais errônea que já lhe ocorrera, porque a verdade era que a maior parte do tempo eu não tinha ideia do que estava fazendo. Ter ficado com três garotos na vida não fazia de mim especialista em nada.
Ela acabou optando por uma calça jeans, botas de cano curto e uma camisa de bolinhas — nada que realmente precisasse da minha opinião. Ela também optou por me expulsar assim que terminou de se arrumar — ela nem deixou que eu desse uma espiadinha para analisar o rapaz, só me mostrou as fotos dele no Instagram.
O Evandro, meu motorista, fechou a porta quando entrei no carro e a Felícia havia se acomodado ao meu lado no banco de trás, quando meu celular começou a tocar, me sobressaltando. A Felícia continuava olhando para a frente.
Tirei o celular da bolsa certa de que era minha mãe mandando que eu voltasse para casa. Mas em vez disso, o nome que aparecia no visor aqueceu meu coração. Atendi na mesma hora — talvez parecesse que eu estava um bocado ansiosa, mas não me importei.
— Oi — falei, sabendo que minha guarda-costas podia ouvir cada palavra.
— Oi. — A voz dele tinha uma ponta de cautela.
— Ainda está aborrecido comigo? Devo temer pela minha segurança? — Perguntei, descontraída.
— Não. Talvez só um pouco. — Contive o impulso de suspirar quando ele deixou escapar um risinho espontâneo.
— Tudo bem? — Perguntei um pouco mais seriamente.
— Sim, acho que sim. Exceto pelos preparativos para o discurso do meu pai, no sábado, que tem me tomado todo o tempo. Mesmo que, na realidade, eu apenas precise ficar em pé no fundo do palanque, tentando não parecer absolutamente entediado.
Franzi a testa, dando uma olhada de soslaio para a Felícia. Ela ainda estava ne mesma posição. Estiquei as pernas, meus sapatos Oxford tocaram a parte de trás do banco do motorista. Baixei a voz ainda mais:
— Tenta não se estressar e cansar demais. — Houve um silêncio do outro lado da linha. — Você tem dormido direito?
Ele não respondeu de imediato. Cheguei a achar que a ligação havia caído, mas ele disse, por fim, percebendo o tempo extenso que tinha demorado:
— Desculpe. Eu só não estou habituado a ter alguém com esse tipo de cuidado. — Senti meu rosto esquentar, sem-graça de repente pelo tom de voz dele. Por sorte, ele mesmo concluiu, um pouco despreocupadamente: — De qualquer forma, sim, eu tenho dormido bem, no geral.
Com uma olhada pela janela, percebi que infelizmente já estávamos quase chegando em casa. Não é como se eu não quisesse voltar para casa — apesar de já ter ficado bastante tempo no quarto, mas agora que eu tinha internet outra vez, podia colocar em dia todas as minhas séries que estavam atrasadas —, mas provavelmente não era uma coisa muito inteligente andar pela casa toda falando ao telefone com o Christopher. Antes que meu tempo acabasse, contei:
— Meu noivado com o Sebastian está oficialmente encerrado.
— Mesmo? — Ele parecia agradavelmente surpreso, mas talvez fosse loucura da minha cabeça.
— Sim. Eu falei para todos sobre a minha recusa no início da semana.
A voz dele tinha se tornado séria de repente:
— Eu tinha certeza de que você conseguiria. — Era mesmo muito conveniente que ele não pudesse ver como eu tinha ficado vermelha. — E como seus pais reagiram?
— Bem, não é como se eles tivessem explodido de alegria, mas também não decidiram me deserdar. E, na verdade, eu até acho que minha mãe agiu de uma maneira muito compreensiva.
— Isso é ótimo.
O carro acabava de atravessar os portões. Eu podia morar ali duzentos anos e sempre admiraria a beleza do jardim, a vivacidade das flores coloridas. Com um suspiro, anunciei:
— Eu preciso desligar. — Minha voz transpareceu mais pesar do que eu gostaria.
— Tudo bem. Eu tenho mesmo de voltar às minhas tarefas. — Ele não parecia nem um pouco entusiasmado, o que fez com que eu risse um pouco.
Antes que eu pudesse escolher melhor as palavras, disse:
— Tchau. Um beijo.
Um milésimo de segundo depois, percebi que tinha acabado de mandar um beijo para ele. Em pânico, desliguei a chamada na mesma hora, antes que ele pudesse responder.
Ok, agora eu tinha desligado o telefone na cara dele! Qual era o meu problema? Não é como se eu não mandasse beijo para todo mundo, no telefone. Não era nada demais. Até porque também não era como se eu já não o tivesse beijado de verdade antes. Mesmo assim, acho que fiquei com medo que ele achasse que eu estava tentando soar íntima demais. No entanto, se eu tivesse dito "abraço", "até mais ver" ou qualquer coisa assim, eu não estaria sendo distante demais.
Qual era a droga do meu problema? Eu estava tendo uma crise nervosa por causa de uma palavra. Eu só podia esperar agora que o Christopher não se ofendesse por eu ter batido o telefone na cara dele.
O Evandro abriu a porta do carro para que eu descesse. Agradeci distraidamente e subi os degraus da entrada ainda ruminando sobre o "tchau, beijo" e me xingando por ser tão idiota.
Não me surpreendi realmente por não ver ninguém exceto os guardas ao entrar. Minha mãe tinha ido fazer uma visita a uma instituição para criança com deficiência, que ela apoiava. Eu devia ter ido com ela, eu sempre ia — as crianças normalmente gostavam de conhecer uma princesa de verdade.
Mas, aproveitando que ela não estava em casa para reclamar, dei uma passada na cozinha para pegar um pedaço de bolo de cenoura. Na volta, passando pelo corredor, percebi que o meu pai e o meu irmão estavam no escritório, com a porta entreaberta. E, sério, eu não estava tentando bisbilhotar nem nada — tipo, eu ainda lembrava muito bem da reação do Christopher quando escutei sua conversa atrás da porta —, mas ouvi algo que me fez parar ao lado da porta.
— No sábado. Ele vai fazer o anúncio no sábado. — Era a voz do Felipe.
— Sim. Certamente as coisas irão acontecer mais depressa agora — meu pai respondeu.
— O senhor acha? — Ele parecia impaciente, pelo tom de voz. — Eu tenho dúvidas sobre isso.
— Tenho certeza que sim. O garoto é muito mais cauteloso que o pai. Ele não vai ter tanta paciência.
Eu não tinha certeza sobre o que eles estavam falando. A minha intuição dizia que tinha a ver com a guerra contra Nova Germânia, mas eu não poderia afirmar com certeza. Só que aquilo não estava me parecendo bom de qualquer forma.
Ouvi passos no próximo corredor e arrumei a postura rapidamente. Se alguém perguntasse, eu só estava passando por ali. Um guarda apareceu no final da galeria no momento em que escutei o meu irmão responder.
— Podíamos tentar acelerar as coisas.
— Não — meu pai falou, irredutível.
Eu tive que me afastar da porta com ar despreocupado ou o guarda acharia estranho — e provavelmente me deletaria para o meu pai — se percebesse o que eu estava fazendo. À contragosto, atravessei o corredor e subi para o meu quarto com milhares de coisas na cabeça.
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Real
Teen FictionSarah achava que já tinha problemas demais para lidar entre a escola, as cobranças da família, o seu namorado secreto e o fato de ser uma princesa em um país prestes a entrar em guerra com seu vizinho. Mas percebe que as coisas podem ficar ainda mai...