39 - Fotografias, Semelhanças e Convites

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Juro, cheguei mesmo a dar um salto para trás. Virei a cabeça na direção da voz, já sentindo o coração bater mais forte contra minhas costelas, por diversos motivos diferentes. O Christopher me fitava intensamente, parado no limiar da porta, as sobrancelhas tão franzidas que quase se juntavam. Ele estava claramente aborrecido.

— O que você está fazendo? — Ele repetiu, cobrando uma resposta, uma vez que eu tinha perdido a voz em algum lugar durante o susto.

Certo, agora ele ia achar que eu estava xeretando as coisas dele. Eu sabia que era isso que ele estava pensando. E eu não o culpava. Era isso mesmo que parecia. Que eu estava xeretando, quero dizer. A muito custo, consegui balbuciar:

— Eu estava... tirando as coisas para poder limpar os móveis... e a foto... bem, ela caiu. — Por algum motivo, achei que nada do que eu estava falando fazia o menor sentido. — Eu juro que não estava... sabe, bisbilhotando nem nada. Foi mau. Sério, eu não...

— Ok — ele me interrompeu, abruptamente.

— Não, de verdade, eu não tinha a intenção...

— Ok — ele repetiu, com mais ênfase e antes que eu recomeçasse, completou: — Está tudo bem. Eu acredito em você.

Me permiti encará-lo e, de fato, sua expressão havia se suavizado. Meu olhar ainda devia estar assustado quando perguntei:

— Sério mesmo?

— Sim. — Ele deu dois passos para dentro do quarto. — Às vezes isso acontece — garantiu, provavelmente se referindo ao lance da foto ter caído do livro e não sobre ele flagrar pessoas remexendo suas coisas.

Após alguns instantes de um silêncio incômodo, durante o qual eu temi que ele pudesse ouvir meu coração de tão alto que batia agora, ele explicou, ainda que não me devesse nenhuma satisfação — afinal, o quarto era dele.

— Pode prosseguir, se quiser. Não vou demorar. Apenas vim trocar de camisa. Derramei café nesta. — Enquanto falava, ele começou a abrir os botões do paletó azul-marinho e pude ver realmente que havia uma mancha cobrindo parte da sua gravata e a frente da camisa azul-claro. — E, já que estou aqui, vou almoçar em casa.

Esperei que ele terminasse de desconversar — que era o que ele estava fazendo: desconversando — e, indiquei a fotografia.

— É sua mãe — falei. Vi, com algum pesar, sua expressão se nublar em um milésimo de segundo. Seu olhar demonstrava cautela.

Por fim, apesar de não ter sido uma pergunta, ele anuiu. Em silêncio, ele passou por mim, em direção ao guarda-roupa. Comentei, com sinceridade:

— Ela era realmente linda.

De costas para mim, ouvi ele concordar, tão baixo que tive dúvidas se ele estava mesmo falando comigo.

— Era, sim.

— Eu não cheguei a ver nenhuma foto da rainha em todo o palácio.

Ele ainda estava de costas para mim. Tinha tirado o paletó e agora revirava o armário. Pareceu encontrar o que queria e se voltou. Por um instante, achei que ele não fosse dizer nada. E quase tive um ataque cardíaco quando ele começou a desabotoar a camisa, mas percebi que dessa vez ele usava uma camiseta branca simples por baixo.

— O meu pai ordenou que se desfizessem de todas as fotografias da minha mãe no palácio — ele disse, sem me olhar. — Essas foram as únicas que restaram. E meu pai nem imagina a existência delas.

Ergui as sobrancelhas, chocada. Tipo, aquilo era, no mínimo, uma crueldade. Sabe, dar fim em todas as fotos da rainha como se ela nunca tivesse existido ali? Nem mesmo permitir que seu filho pudesse guarda-las?

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