42 - Franquezas, Disney e Momentos Inoportunos

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Imediatamente senti meu estômago revirar - e não era por causa de tudo que eu tinha comido. Tipo assim, não sei você, mas sempre que alguém vem com esse papo de "precisamos conversar", significava algum problema muito sério. Como aquela vez, no terceiro ano do fundamental, quando eu estava sentada em um banco, no intervalo, balançando os pés e a Bianca tropeçou em mim ao passar correndo e caiu. A gente foi para a diretoria e eu ainda ouvi um sermão da mãe da Bianca.

Tentei não transparecer o meu nervosismo, apenas continuei fitando-o. Devo ter feito um bom trabalho em parecer normal, porque ele deu apenas uma pausa para levar os nossos pratos de volta até a mesa e se encostou outra vez ao meu lado.

- O Natal será na próxima semana - ele falou tranquilamente. - Você pretende ficar aqui?

Eu devia ganhar o troféu de pessoa mais lerda do mundo.

- Como assim? - Perguntei. A brisa gelada começava a me deixar com frio.

- Você não pretende ir para sua casa? - Ele esclareceu, direto.

Eu sabia que esse lance de "preciso falar com você" não podia trazer coisas boas. Só não achei que ele fosse ser tão cortante assim.

- Você está me mandando embora? - Murmurei, sentindo o ar escapar do meu pulmão.

- Não! - Ele respondeu, rápido, me encarando com aqueles olhos cristalinos. - É só que eu sei que você sente saudades dos seus pais... Você não quer estar com eles no Natal? Mesmo que você não seja religiosa, é uma data para reunir a família.

O meu choque passou um pouco, mas se ele pretendia me deixar triste, conseguiu. Desviei os olhos, sentindo as lágrimas se acumularem.

- Eu até gostaria de ir para casa - confessei, tão baixo que me espantava que ele escutasse. - Mas, sinceramente, ainda tenho medo. Acho que se eu for para casa, minha mãe vai anunciar meu noivado no meio do baile de Natal que acontece todos os anos no palácio.

- Ah, então, há bailes de Natal tradicionais em Veritas?

Sorri, sendo inundada de recordações. A tristeza sendo substituída por nostalgia.

- Sim - respondi, animada outra vez. - Se fossem em outra época do ano, provavelmente eu odiaria. Mas eu amo o Natal. Em geral os bailes ocorrem no dia vinte e dois. Vai um monte de gente da nobreza e tal, tem músicas natalinas cafonas, comidas com nozes e, claro, uvas passas em tudo. - Ele me observava atenciosamente. - Mas, não é bem uma ceia de Natal. Porque na noite da véspera de Natal, aí sim nós temos uma ceia clássica - continuei, ainda entusiasmada com as memórias. - Você sabe, toda a família reunida, meus tios, primos, a piada do pavê, amigo secreto com presentes ruins...

Ele sorriu, amistoso.

- Parece divertido.

- Não sei se "divertido" é a palavra correta, mas com certeza eu gosto, apesar de tudo. E você?

Me arrependi assim que as palavras saíram da minha boca. Tipo, ali estava a pessoa com a convivência familiar mais conturbada que eu já conhecera. Quais as chances de que ele tivesse um Natal digno de musical da Broadway? Zero. Deu para ver no rosto dele que eu estava certa quando sua expressão se fechou subitamente.

- Costumávamos fazer a ceia de Natal aqui, mas eu nunca me senti muito... à vontade com a minha família. - Não tentei interrompê-lo agora que ele tinha começado a falar. - A família do meu pai, assim como ele, é muito fria, muito impessoal... não sei se você entende. - Ele voltou os olhos para mim. Me resumi a anuir com a cabeça, deixando que ele continuasse: - Eu perdi o contato com a família da minha mãe há anos. Meu pai me afastou deles após a morte dela. - Achei que talvez devesse comentar algo, mas fiquei tão perplexa com a informação, que não tive tempo de dizer nada. - Desde que meu pai decidiu "tirar férias", meu tio sugeriu fazer a ceia de Natal em sua casa. Confesso que fiquei aliviado, assim não preciso ser o anfitrião.

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