41 - Tortas, Paisagens e Prodígios

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- Achei que você já tivesse jantado - falei.

- Eu jantei.

- E vai comer de novo?

Ele deu de ombros, abrindo a porta da cozinha. O acompanhei quando ele passou por alguns funcionários que arrumavam a louça, cumprimentando cada um deles. Ao contrário do que esperava, ele não foi em direção à geladeira. Em vez disso, ele foi para a dispensa, pegou dois pratos limpos e tirou um saco de papel de dentro de uma daquelas estufas pequenas que tem nas lanchonetes.

- Isso devia estar guardado assim? A Virgínia viu isso?

Ele conteve um sorriso.

- Acho que é por esse motivo que está guardado com tamanho descaso. - Franzi a testa, sem entender. - Não foi a Virgínia quem fez a torta e ela é um pouco ciumenta com relação à comida que é consumida no palácio. E essa especificamente é de um restaurante do centro da cidade. - Enquanto falava, ele voltou à cozinha, indo até a geladeira e tirou de dentro duas latas de suco sabor pêssego, passando uma para mim gentilmente. - O dono do estabelecimento soube que eu apreciava as tortas e agora ele certifica-se que eu receba uma pequena remessa com alguma frequência.

Me perguntei como ele podia ter adivinhado que eu amava suco de pêssego, então saquei que devia ser o que ele gostava.

- Ah, na minha cidade tem uma pequena confeitaria que me manda uma caixa de muffins todos os meses. - Com uma súbita pontada de saudade de casa, brinquei: - Imagino que meu irmão esteja comendo tudo agora.

Saindo da cozinha, ele fez o caminho até a área particular do palácio. Para minha surpresa, ele pegou um caminho que eu já conhecia. E não era o caminho do cinema e, felizmente, nem o da sala de troféus. Nada disso. Ele entrou na biblioteca e acendeu as luzes.

Não posso dizer que não gostei da escolha, porque eu sempre adorei bibliotecas e livrarias. Sério, eu sempre fiquei feliz cercada por uma infinidade de livros. Mas admito que fiquei surpresa porque nunca tinha me passado pela cabeça ter um encontro ou qualquer coisa assim em um lugar desses.

- Vem por aqui - ele murmurou.

A biblioteca estava como sempre: solene e acolhedora, mas agora à noite parecia um pouco mais misteriosa por causa dos reflexos nos vidros das janelas fechadas. Diferente do que eu imaginava, ele não foi em direção às mesas próximas das prateleiras. Em vez disso, ele seguiu em frente e começou a subir as escadas para a plataforma superior.

Eu já tinha subido ali, claro. Mas só para limpar, durante o meu expediente. Todas as vezes que fui em busca de novos livros para ler, me limitei à parte inferior - e já tinha opções para escolher mais do que suficientes para que eu ficasse uma eternidade lendo sinopses. Então pode me julgar por nunca ter reparado muito ali em cima.

Bom, a decoração era basicamente igual a todo o restante do cômodo. Era bonito e tal, mas ainda não conseguia entender porque ele tinha preferido subir.

Enquanto eu observava, meio confusa, mas em silêncio, o Christopher abriu a cortina branca e depois a porta de vidro que levava à varanda, em seguida arrastando uma mesa para mais perto da sacada. Depois de puxar uma cadeira, ele olhou para mim, que continuava parada perto do primeiro degrau da escada.

- Aproxime-se - ele pediu. - Quero que veja uma coisa.

Fiz o que ele pediu. Deixei a latinha de suco sobre a mesa e cheguei mais perto da porta. Não precisei me esforçar para saber do que ele estava falando. O que ele esperava que eu visse, quero dizer. Tenho que dizer, era uma vista deslumbrante. O jardim se estendia desde logo abaixo de nós até os muros. Como eu disse, já tinha ido ali algumas vezes, mas nunca durante a noite e nem depois que tinha sido colocada a decoração de Natal na fachada do palácio. Eu nunca imaginaria que as flores coloridas pareceriam tão bonitas iluminadas praticamente apenas pelas luzinhas envoltas nas árvores. Parecia uma imagem retirada de um daqueles livros de fantasia que a Sayuri adorava.

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