Eu tinha ido à cidade outra vez na minha folga, naquele sábado. Agora, além do dinheiro que me restara quando vim, também já tinha recebido meu primeiro salário. Quero acreditar que eu não sou única pessoa a gastar o primeiro salário com comida. Não que eu tivesse gastado tudo em comida, veja bem. Mas admito que a primeira coisa que fiz foi passar no parque e comprar um outro churro.
Em umas lojinhas no centro, comprei uma cortina para o meu quarto, no palácio — nada demais, era branca com florezinhas rosas — e uma luminária. Eu nunca tinha realmente conseguido fazer compras em Veritas. Lá, eu estava sempre rodeada de seguranças quando saía de casa e muitas vezes, as grifes mandavam roupas para que eu escolhesse em casa, para não precisar ir até a loja, mesmo que, muitas vezes, essas roupas não tivessem muito a minha cara. E outras vezes — e confesso que essas eram minhas preferidas —, as marcas mandavam roupas e sapatos de graça. Eu gostava porque normalmente eram as marcas que me mandavam jeans e camisetas legais — minha mãe mais que reprovava, mas ela não podia impedir. Então, fazer compras de acessórios de decoração nunca tinha sequer me ocorrido que fosse possível.
Depois do almoço, levei horas para conseguir instalar a cortina do jeito certo — não que fosse muito difícil, eu percebi depois, mas eu não tinha a habilidade necessária —, mas consegui e fiquei orgulhosa do meu feito. Consegui, sim, sozinha. E lavei as minhas roupas na lavanderia, assim como muitos funcionários. Liguei para a Sayuri e fui solenemente ignorada, já que ela parecia bem ocupada conversando com um garoto no WhatsApp — acho que ela o tinha conhecido em uma das festas que eu não tinha ido nos últimos dias. Então me contentei em ficar no meu quarto até a noite, lendo Orgulho e Preconceito até cair no sono por cima do livro e perder a hora do jantar.
Não que eu tenha ficado muito aborrecida... mas... ah, quem eu quero enganar? Fiquei chateada, sim! Afinal, era o jantar e a Virgínia tinha dito que ia fazer panqueca. Mas como acordei apenas às onze da noite, é claro que já não tinha mais nada. Na verdade, todos já tinham se recolhido. Bom, pelo menos, eu não ia pegar fila para usar o banheiro.
Tomei banho e lavei o cabelo. Depois, com o cabelo ainda úmido, fui até a cozinha assaltar a geladeira. Acabei ficando com umas torradas com geleia e chá de morango. Talvez não fosse o suficiente para matar a minha fome naquele momento, mas era o que tinha. E, além do mais, era o que eu costumava comer em casa e eu queria sentir aquela nostalgia.
A verdade era que eu estava com saudades de casa, dos meus pais, da Sayuri e até do meu irmão — para você ver como estava desesperadora a situação...
Torcendo para não encontrar nenhum guarda, me esgueirei pelos corredores do palácio até a ala particular da família real. Havia uma sala em frente à biblioteca onde eu nunca tinha entrado — basicamente porque nunca fui designada para limpá-la —, só tinha visto de fora. Mas não vou mentir, eu sempre quis entrar. Por um motivo bem simples: tinha um piano. Era só isso que me importava. Tipo, não é que eu não sentisse tanta falta da minha família, mas provavelmente eu sentia mais falta do meu piano que do meu irmão.
Sem criar muitas expectativas, testei a porta. Para minha descrença, estava destrancada. Abri a porta como se estivesse entrando em um santuário. Claro, eu estava acostumada com salas de música. Já tinha frequentado muitas, entre a escola os eventos luxuosos e coisas assim, mas aquela tinha alguma coisa que não parecia solene, como as outras, parecia apenas... acolhedora.
Um piano de cauda estava em um canto. Sofás brancos luxuosos se estendiam ao longo das paredes forradas com papel de parede floral verde-claro e branco. Um lustre de cristal pendia no teto. Apesar de todo o luxo e tal ainda parecia aconchegante.
Desde criança, quando eu comecei a tocar piano — bom, pelo menos, desde que eu deixei de achar as aulas um saco e realmente comecei a gostar —, sempre que eu me sentia triste ou ansiosa, eu tocava. E era como entrar em um mundo paralelo. Era instantâneo. Era como se fosse só eu e o piano no mundo.
Eu não pretendia tocar agora, claro. Porque, tipo assim, estava no meio da noite e eu não fazia ideia se a sala tinha isolamento acústico, então, talvez não fosse uma boa hora para um recital. Entrei na sala, sem acender as lâmpadas, a única luz ali vinha da iluminação externa do palácio, que atravessavam as cortinas finas. Mas mesmo assim, estava longe de ficar escuro. Deslizei os dedos sobre o piano fechado e sentei no banco, encarando o instrumento reluzente.
Instintivamente, levantei a tampa, revelando o teclado e o dedilhei distraidamente. Não tinha nenhuma partitura ali. Antes que eu pudesse pensar nas circunstâncias, estava tocando o piano como se o instrumento fosse meu. Apesar de nunca ter ouvido ninguém tocando aquele piano, ele estava afinado. The Scientist do Coldplay soou pelo ambiente. Como sempre acontece, me deixei envolver pela música, pelo som e pelas teclas sob meus dedos.
Já estava nos últimos acordes da música quando finalmente levantei a cabeça e saí do meu mundo particular. E que forma mais chocante de sair do meu mundo. Sério, eu errei tudo e saiu um som horrível do piano. Isso porque bem à minha frente, encostado no batente da porta com os braços cruzados, estava o Christopher me observando, parado como uma estátua.
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Oi, oi!
O capítulo foi curto, eu sei, me perdoem. Mas juro que vou postar a sequencia logo, logo. Mais rápido do que vocês imaginam ;)
Bjs
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Real
Novela JuvenilSarah achava que já tinha problemas demais para lidar entre a escola, as cobranças da família, o seu namorado secreto e o fato de ser uma princesa em um país prestes a entrar em guerra com seu vizinho. Mas percebe que as coisas podem ficar ainda mai...