Oi, meu nome é Lauren

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POV Lauren

Mais um dia eu acordo com um grande desconforto entre as pernas. Eu sei, já deveria ter me acostumado depois de 22 anos, mas não consigo. O pior é a vontade de ir ao banheiro e ter dificuldade extrema para conseguir fazer o que eu tenho que fazer. Respiro fundo 3 vezes, pedindo calma, e me levanto da cama, mas, quando saio de baixo do cobertor, sinto um vento ainda mais gelado na região do desconforto e, ao olhar para baixo, vejo uma grande mancha. AH NÃO, DE NOVO NÃO! Que nojo.

Você não tá entendendo, né? Vamos lá, quando eu nasci descobriram, através de vários exames, que eu tinha uma coisa chamada "Síndrome de La Chapelle", também conhecida como "Homem XX". "Ok, Lauren, mas o que diabos você tá querendo dizer com isso?". Calma, calma. Isso quer dizer que, durante a minha gestação, ocorreu um intercâmbio de cromossomos, resumidamente: o cromossomo Y (cromossomo "masculino") se 'misturou' com o cromossomo X (cromossomo "feminino"). Isso significa que nasci mulher, mas com genes para desenvolver o órgão genital masculino. Sim, sou mulher, tenho pênis e não sou transexual. Bizarro, eu sei.

Acontece que, por mais que eu tenha passado por vários psicólogos, analistas, conselheiros, tenha tido apoio e suporte dos meus pais e familiares, eu NUNCA consegui me adaptar. Atualmente tô na fila do sistema de saúde público aguardando uma vaga para poder fazer a cirurgia pra tirar esse troço, já que minha família não tem dinheiro para arcar com uma cirurgia particular. Cada dia, antes de dormir, me deito imaginando se, no dia seguinte irão me ligar e dizer: "Hey, Lauren. Bora tirar esse troço nojento daí!"

Mas nunca ligam. Nem mandam carta. Nem sinal de fumaça. Nada.

"Ai, Lauren. Que drama. Deixa de frescura!"

Eu juro que tentei. Mesmo. Imagina só: Eu nasci mulher e com um pênis. Veja bem que não estou falando sobre identidade de gênero. Eu, literalmente, sou uma mulher em todos os sentidos, inclusive físicos. Então, desde que eu me entendo por gente e comecei a entender que eu era diferente, com, sei lá, 5 ou 6 anos, eu comecei a ter um nojo imenso "dele". Meus pais perceberam que aquilo estava me afetando muito, ao ponto de eu não querer sair de casa, pois, por mais que eu estivesse completamente vestida, eu acreditava que estava escrito na minha testa e todo mundo ia ficar com nojo de mim, por eu ser uma aberração. Então começou minha saga com todos os tipos de psicólogos: Psicanálise, Psicologia Analítica de Jung, Behaviorismo, Humanismo, Psicoterapia Comportamental, Terapia Cognitiva-Comportamental, Transpessoal... Mas não dá, não consigo. E eu queria conseguir conviver com isso, aprender a lidar com isso e ter uma vida normal. Com normal, eu quero dizer: Conseguir vestir uma roupa um pouco mais justa, conseguir sair na rua sem preocupação e sem ficar achando que tá todo mundo me observando, poder ir à praia, ter um relacionamento, ter uma vida sexual normal (mesmo sozinha)... Por Dumbledore, eu só queria poder ir ao banheiro e não ter nojo de encostar em mim mesma.

Sim, eu estou dizendo que, por mais que eu esteja morrendo de tesão, eu não me toco, fico lá sentindo aquela dor, inclusive já me acostumei a acordar e ter que tomar banho gelado e aproveitar para lavar minha cueca, afinal minha mãe não é obrigada a ter contato com esse tipo de coisa vindo da PRÓPRIA FILHA.

Minha vida é relativamente normal: mãe, pai e 2 irmãos, a Taylor e o Chris. Eles sabem da minha condição, obviamente, mas por saberem que isso me afeta, eles evitam falar sobre. Meu irmão é meu maior companheiro e tenta me deixar animada com isso, me dá alguns conselhos e incentiva e sempre diz que as meninas "amam"... Ah, eu não falei, né? Para finalizar com toque de mestre: Sou lésbica. Quer dizer, eu sinto atração por mulheres, mas nunca fiquei com nenhuma. Não, nunca beijei na vida. Na verdade, eu sempre me isolei de todos, inclusive amizades, principalmente na escola. Por ninguém saber da minha condição, todos achavam que eu era simplesmente nerd demais e antissocial. E nunca me preocupei em mostrar o oposto.

Voltando a ViverOnde histórias criam vida. Descubra agora