POV Camila
Acordei. Mais um dia. Mais das mesmas pessoas. Sempre mais do mesmo. Mais um dia naquela escola que eu conto os dias para me livrar.
O despertador começou a tocar e parou sozinho, o único movimento que fiz foi abrir os olhos e algumas coisas involuntárias, como piscar e respirar. Meus olhos presos no teto, tentando achar coragem de levantar e me arrumar e ir para minha dose de inferno diária.
E então o despertador começa a soar de novo, com seu barulho estridente em meus ouvidos.
-Camila, desliga essa droga logo. - Ouço a voz irritada da minha irmã, que divide o quarto comigo.
Estico meu braço e desligo.
-Aleluia. - Diz, se virando para voltar a dormir.
Sem falar nada, faço meu ritual lentamente: 1) Estico minhas pernas, deixando-as juntas e retas; 2) Retiro o edredom de cima de mim, deixando ele na lateral do meu corpo; 3) Lentamente, levanto meu tronco, respirando fundo para não jogar tudo pro alto e imitar minha irmã, voltando a dormir; 4) Giro meu corpo, descendo uma perna por vez da minha cama; 5) Olho para baixo, procurando pelos meus chinelos e os encaro por alguns segundos; 6) Enrosco o pé direito no primeiro chinelo, outra respirada funda; 7) Coloco o outro pé no chinelo. 8) Fecho meus olhos lentamente e puxo todo o ar que consigo, inspirando profundamente; 9) Foco meus olhos na porta do banheiro e esvazio meus pulmões, como se eu estivesse expulsando ácido sulfúrico, com todas minhas forças; 10) Tomo impulso e levanto da cama.
Eu chamo de "Ritual dos 10 passos". Eu sei, nada criativo, mas quem se importa?
Em passos lentos, sigo até o banheiro. Olho meu reflexo no espelho, sinto meu coração se agitando dentro do peito, observo meu rosto, vejo minhas olheiras profundas, o que é explicado pelo fato de eu não ter conseguido dormir até ser altas horas da madrugada.
~Heavy On~
Me encarando, vejo meu peito começar a subir e descer com mais velocidade, mas não sinto. É como se eu estivesse assistindo uma pessoa estranha ali. Começo a pensar que vou ter que ver pessoas, falar com alguém, sorrir por educação. Observo aquela estranha hiperventilando, abrindo os lábios para facilitar a entrada do ar, mas não é suficiente.
Começo a ouvir barulhos da estranha puxando o ar com força, vejo ela começar a tremer e volto a focar nos olhos dela. Aqueles olhos são castanhos, mas são vazios, você não enxerga nada neles, são opacos e mortos. Vejo a estranha à minha frente começar a forçar mais para respirar, impulsionando o corpo todo e sinto meu peito começar a arder, minha boca seca, minhas mãos segurando a pia com força, causando dor nos meus dedos, minha visão começando a embaçar e a estranha à minha frente ficando borrada.
Repentinamente, sinto braços me envolvendo, um passando pela minha cintura e o outro vindo por cima do meu ombro esquerdo, caindo até minha cintura do lado direito, como se fosse um cinto de segurança. E era. Era o meu cinto de segurança.
-Cami, calma. Eu tô aqui. - Me vira para ela e me encara com aqueles olhos que deveria ser parecidos com os meus. Ou os meus deveriam ser parecidos com os dela. É, definitivamente não queria que os olhos de minha irmã fossem tão opacos e mortos como os meus. Ela leva as duas mãos para minhas bochechas e acaricia com os dedões, enquanto o resto da mão prende meu rosto. - Olha para mim. Foca em mim. Quero que você olhe ao redor e me diga 5 coisas que você consegue enxergar.
Olho para ela, sem conseguir desviar meus olhos, meus pulmões lutando por ar.
-Vamos, Cami. Você consegue, eu sei que sim! Só cinco coisas que você consegue enxergar aqui no banheiro.
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Voltando a Viver
FanfictionLauren, 22 anos, intersexual, inteligente, engraçada, sonha em estudar Música em Julliard, mas se isola do mundo por não saber lidar com sua condição. Camila, 18 anos, ultimo ano do Ensino Médio, conta os minutos para finalmente poder ir a Julliard...