Responsável.

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O caminho de volta foi esquisito. Conversávamos bastante, Blasco e Gil contando suas aventuras, cheguei a contar sobre a queda da ponte, e todos concordaram que Lídia e Chamusca eram demais. Fid desejou em voz alta encontra-los novamente e Gumercindo falava com Emilian. A carroça chacoalhava, as rodas de madeira amassavam o pasto verde, trituravam pedrinhas e cascalhos, a brisa bagunçava meus cabelos e eu ouvia Emilian. Ele pareceu se atrapalhar com as perguntas do escrivão, de onde ele tinha vindo? O que fazia? Era mesmo um item? Como sabia nossa língua? As roupas eram da moda daqui do Ducado, onde ele tinha conseguido? Coisas que eu nem pensara perguntar, mas que faziam sentido. Porém Emilian não conseguiu respondê-las, realmente se esforçava, tentava puxar da memória mas só conseguia fragmentos como se fosse algo acontecido há muito tempo, nós ficamos um tanto desapontados, Emilian pareceu o mais triste. Principalmente quando Gil perguntou se ele tinha família.

– Tenho sim! – Exclamou Emilian sorrindo bastante, mas ele parou, o sorriso desaparecendo. – Eu...

– Alguém deve o ter criado não? – Perguntou Gumercindo.

– Sim mas... Eu não me lembro dele. – Emilian pareceu chocado com a própria resposta, olhou pro chão que ia passando por nossa carroça. – Eu sei que tinha alguém, importante, me ensinou a ler a falar a língua comum eu.... Eu o amava, meu pai, mas... Como?

Percebi que todos ficaram sem jeito, o desalento de Emilian era evidente, por alguma razão ele não conseguia se lembrar do próprio pai e isso o arrasou.

– Qual é? – Eu disse querendo mudar o clima, que ele parasse de ficar triste, mas do meu jeitinho de sempre. – Não vai chorar né?

Emilian me olhou nos olhos, os seus, grandes e azuis, nariz um tantinho vermelho e a boca apertada. Sem som as lagrimas caíram, como riscos de chuva numa janela de vidro, no fundo de seus olhos encontrei raiva, escondida, perdida em outros sentimentos.

– Plim! – Exclamou Blasco tentando acalmar Emilian. Até Fid me olhou e eu dei de ombro.

– Só queria faze-lo parar de ficar triste. – Eu disse me justificando, mas nem olhando pra eles, estiquei minha perna num banco e bocejei.

Gil se aproximou de mim, parecia zangado, tanto alarde por nada.

– Você é muito indelicada com ele, quando éramos pequenos você não era assim.

– Mas o que que tem? Deixa ele, só porque tá com um probleminha de memória....

– Se você esquecesse de Treysa, lembrasse apenas que ela existiu e te amou, mas não conseguisse lembrar nem de seu rosto nem de seu nome, como se sentiria?

Eu debochei dele.

– Se ele esqueceu é porque o homem não era tão importante. Comigo isso nunca aconteceria.

– Mas e se acontecesse?

Gil se afastou. Imaginei por um segundo a situação, só que era impossível forjar o sentimento, eu me lembrava dela esse era o fato, mas e se eu não conseguisse, ela estaria me esperando? Ainda acreditaria em mim? Eu me senti horrível e parei de pensar. Emilian estava rodeado pelos meus amigos, ele não respondia nada apenas acenava com a cabeça, ele enxugou as lagrimas com brutalidade, fingindo nada ter acontecido. Todos tentavam fazer ele pensar em outro assunto, e não pareciam ter sucesso. Eu olhei pro céu e suspirei, cansada, com o olho morto doendo, as pernas latejando de tanto correr, suja, com fome e fraca, mas me preocupava com uma criancinha chorona.

– Ei, Emilian! – Chamei. Ele me olhou tentando limpar ainda mais as lagrimas, esfregando o rosto e os olhos, talvez por eu ter mandado ele não chorar, o garoto parecia levar a sério tudo o que eu dizia. Bati com a palma da mão no banco vazio ao meu lado. – Vem sentar aqui comigo.

Escama NegraOnde histórias criam vida. Descubra agora