Os dias passaram tranquilos. Apesar da cidade ter sofrido com o que ficou conhecido como a noite mágica, as pessoas tentavam levar uma vida normal, principalmente os campeões mágicos que se preparavam pra viagem eminente. Um navio estava sendo preparado e para nós a viagem para Alba não era tão longa como para os outros Ducados que já estavam velejando.
Eu tentava não pensar muito na avaliação, ficava com Treysa ajudando com os fazeres do orfanato por vontade própria pela primeira vez. Cuidar das roupas e da casa me ajudava a distrair a mente, mas aquilo era chato e as vezes eu simplesmente andava pelos campos, sem ter o Emilian comigo eles deixavam eu sair da cidade, mas com Emilian não, o que o deixou bem aborrecido. Mas mesmo assim estávamos no lucro, todos os outros campeões tiveram seus itens apreendidos até chagarmos em Alba. Blasco e Gil não quiseram entregar e tiveram que ser persuadidos pelos guardas, que levaram os itens entregando uma carta do Conde e do Império prometendo que devolveriam e que aquilo não passava de uma medida preventiva. Gil cuspiu no chão e os chamou de canalhas, mas guardou o papel como prova.
Se Gil e Blasco já deram trabalho para os guardas fiquei imaginando os Orcs. Tive dó dos soldados que foram pegar os itens deles. Andando pela cidade nós vimos os orcs indo em direção a baixada dos cascalhos, um bairro pobre, conhecido por estalagens chulas e baratas, prostibulo imundos e jogos clandestinos. Todos sabiam que eles deviam estar doidos pensando em voltar para suas terras em Filimunrar ou Boldush Gashur, muitos também queriam que eles partissem, mas sei que não abririam mão de seus itens tão facilmente, apesar de apostar que não gostavam nada da ideia de se juntarem a algum esquadrão e se submeterem a um possível líder humano.
Todos devem ter ficado frustrados por perderem os itens, mesmo que prometessem devolve-los, mas Emilian pode ficar comigo, e acredito que nem conseguiriam afasta-lo de mim e do orfanato. Emil no primeiro dia não saía de perto de mim, ele estava desconfiado desde a visita ao castelo do Conde Daroqua, achava que iriam nos apartar e por isso estava sempre vigilante, se eu estivesse ajudando Treysa na cozinha ele puxava uma cadeira e ficava ali, atento, se virando, ameaçador a qualquer ruído. As irmãs o chamavam de cãozinho de guarda e ele não parecia ligar, sempre atento e a quem se aproximava, encarando, as pessoas achavam graça, mas eu reparava bem nele, quando estranhos vinham conversar, como seu nariz retorcia, seus olhos se apertavam, e quando se aproximavam de mim, ele chegava a mostrar os dentes, bem de leve mas mostrava, as unhas virando garras, ele parecia um animal, eu o reprendia e apenas com um olhar ele parecia entender, baixava a guarda, recolhia as garras e emburrado, cruzava os braços voltando pra cadeira.
No segundo e terceiro dia ele repetiu o ritual, se eu fosse até a latrina ele ficava esperando do lado de fora, na cozinha puxava a cadeira, nos rituais religiosos ficava me encarando e as vezes imitava os meninos, rezando, mas sem nunca fechar os olhos. Ele parecia meio chateado e entediado, as vezes eu o pegava escutando as risadas das crianças e seu rostinho se iluminava e mesmo sem saber o motivo dos risos ele sorria de leve, nessas horas eu o via como uma criança, não o cão de guarda, nem o animal ameaçador que ele podia se tornar. Foi quando bolei um plano e comecei a passar um tempo no jardim. Sentava num banco e descascava uma laranja ou lia um livro. Emil como sempre me acompanhava sentava do meu lado e puxava assunto, eu pedia silêncio para ler, ele juntava as mãozinhas no colo e ficava olhando o céu, os pinheiros balançarem, os pássaros, quando se entediava caçava uma borboleta, mas sempre que as crianças apareciam correndo, rindo e brincando, ele vinha pro meu lado, olhava pra elas prestando atenção, na correria, nos movimentos, nos risos, eles cavavam, enterravam, brincavam de pegar, de guerra, sumiam no pequeno bosque, voltavam cantando, e Emilian observava. Até eles sumirem novamente bosque a dentro. Eu senti o olhar de Emilian, eu o tinha mandado se calar e as ordens ele levava muito a sério por isso perguntei o que ele queria.
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Escama Negra
FantasiaPlim é uma órfã de dezesseis anos que odeia seu nome e detesta crianças. Depois de perder um de seus olhos num ataque com bandidos ela decide participar de uma competição especial, conseguir um dos cobiçados itens mágicos e se tornar uma cavaleira a...