Vamos passear no bosque.

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Na véspera da corrida nós não treinamos. Decidimos descansar e aproveitar o dia. Os meninos estavam bons na esgrima, e eu quase morri de rir da cara deles quando ficamos sabendo por Alfonso que seria proibido adentrar a floresta com armas.

— De qualquer maneira lá a gente encontra um bom pedaço de pau. — Disse Gil.

Treysa fez torta pra gente. Comemos todos juntos, as irmãs, Gostantin e as crianças, Grandão como sempre ficou sentado lá fora participando da reunião e comendo pela janela. Foi uma boa tarde, contando histórias e rindo bastante. O vento entrava pela janela, os pássaros cantavam, as crianças tentavam entrar na conversa, as vezes alguma gracinha muito espontânea saía da boquinha delas e todos caíam na risada. Mesmo com toda essa distração eu me pegava vez ou outra olhando para a rua. O céu escurecia e a tarde encontrava seu fim. Era impossível não pensar no dia de amanhã. Percebi que os meninos também olhavam lá pra fora. As irmãs continuavam falando, as crianças continuavam correndo, pulando e fazendo o inferno, mas nós três não. Nos olhamos e assentimos um pro outro, amanhã iriamos vencer, iriamos voltar pro orfanato e dar a vida que todos ali mereciam, amanhã seriamos campeões mágicos.

*

Acordei antes do galo. Na verdade nem tinha dormido direito, provavelmente fiquei olhando pro teto o tempo todo, observando minha vida como ela tinha sido até então. Avaliei e descobri que tinha errado bastante pelo caminho, mentiras que contei e decisões erradas que tomei, já tinha dezesseis anos e não tive nenhum pretendente enquanto a maioria das moças da minha idade já eram casadas. Mas agora nada daquilo importava. Me arrumei, e peguei uma calça emprestada com Blasco, hoje não seria dia de usar vestidos. Gil também estava de pé e demos coragem uns aos outros. O café da manhã saiu cedo num clima meio tenso.

Caminhamos todos pela rua, as crianças começaram a se animar contemplando todos os vizinhos, colegas e amiguinhos que iam pra praça central. Elas corriam conversando muito, as irmãs davam instruções para Blasco que era o mais novo de nós. Eu ia de mãos dadas com Treysa, dava pra sentir a tensão dela mas quando eu a encarei ela sorriu pra mim. Os meus medos foram se dissipando e aos poucos senti uma excitação explodir em mim, eu ia conseguir e voltaria com meu item.

A praça estava lotada. Tinha gente de toda laia, um falatório imenso. Todos estavam esperando no pé da grande escadaria da catedral, um prédio enorme e branco. O sino badalou sete vezes, avisando que em breve teria comunicado especial. Gil conversava com Gostantin que devia estar passando algumas dicas, afinal ele já tinha visto corridas mágicas antes. Mas mesmo assim não saí do lado de Treysa. Crianças tentavam subir a escadaria e eram puxadas pelos pais e tinham as orelhas torcidas, eu achava tudo muito justo. Cães andavam ao largo da multidão como se quisessem entender tamanha aglomeração. Orcs apareceram e uma criança começou a chorar. Um orc enorme de presas saindo pela boca e tranças negras caindo até os ombros olhou pra mim, era difícil saber o que ele pensava, as feições dos orcs sempre me pareciam zangadas, mas ele meneou a cabeça me cumprimentando, levei a mão fechada ao peito e baixei levemente a cabeça, ele abriu a bocarra no que julguei ser um sorriso, e começou a conversar com seu bando. Treysa me encarou e me perguntou no pé do ouvido.

— Onde você aprendeu esse cumprimento?

— Num livro, era o cumprimento da aliança, eu acho que ele me olhou por causa disso. — Mostrei meu medalhão.

— O colar que foi deixado com você?

— Sim, ele é dos que lutaram ao lado dos orcs.

Treysa olhou pro grupo dos enormes e monstruosos orcs, esses eram verdes e com presas grandes então eu sabia que eram de Filimunrar, das entranhas da montanha prata.

Escama NegraOnde histórias criam vida. Descubra agora