Sem ideia alguma.

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 Um dia Emilian se interessou com o que Treysa estava fazendo, ela cozinhava um guisado, e o cheiro era realmente maravilhoso. Emilian arrumou um banquinho e colocou perto do fogão, ele adorava ficar vigiando as chamas das lenhas, mas dessa vez sua atenção estava voltada para o caldeirão borbulhante, o guisado ganhando cor e cheiro bom. Treysa como já tinha feito comigo quando eu tinha a idade de Emilian, começou a ensina-lo a preparar a comida, pediu pra que cortasse cenoura e ele obedeceu prontamente, sorrindo, coisa rara nos últimos dias. Os dois riam e se divertiam, eu aproveitei pra dar uma volta, Emilian andava muito na minha cola, e as vezes eu só queria ficar sozinha, enrolei minhas faixas no rosto, tapando meu olho morto, e saí sentindo o sol e o frescor da brisa. Andava pelo jardim quando vi Gil, ele conversava com Elina, mesmo de longe pude ver quando os dois deram as mãos e se afastaram, provavelmente indo para o laguinho. Eu não acreditava naquilo, Gil finalmente caía nos encantos de uma pretendente, fiquei preocupada, e a história de ser cavaleiro, ele desistiria? Provavelmente casar não o impediria, só se ele deixasse, ainda assim era esquisito ver Gil daquele jeito.

Elina era mesmo linda, parecia ser uma pessoa divertida, e era ruiva. Prato cheio pro nosso camarada. A família dela era nobre, o pai um cavaleiro com terras, numa pequena aldeia ao sul de Porto Verde, mas Elina e a mãe viviam aqui na cidade, e há uns dias veio cortejar Gil, o pai foi direto com Gostantin e disse que era vontade de toda família que o matrimonio se realizasse. Gostantin depois nos revelou que mesmo sendo nobre e tendo terras próprias, eles não estavam numa situação financeira tão boa, o que era estranho, porque nobres nesse estado geralmente procuram casar as filhas com gente bem rica, que possa levantar novamente as finanças da família da noiva, ainda mais alguém com a beleza de Elina, mas eu logo percebi o porquê e penso que antes de todos. Quem provavelmente tomou a decisão de tentar o noivado foi a própria Elina, eu percebia o jeito que ela olhava para Gil, o jeito em que conversaram na varanda, ela o adorava, parecia o amar, e eu senti ciúmes no começo, me incomodava o jeito que ele ria, falava, querendo aparecer, mas aos poucos fui percebendo sua sinceridade, ela gostava de Gil ele parecia também gostar dela, e pra mim sendo assim, estava tudo certo.

Ainda não tinham combinado de fato o noivado, mas Gil a visitava e ela vinha com frequência vê-lo sob a supervisão da mãe, até as outras pretendes foram parando de vir, e apenas Blasco recebia visitas. E até parecia ter uma favorita, Liandra, uma garota de treze anos, muito audaciosa e sincera, eles se deram bem e Liandra chegava ao ponto de aconselhar e ajudar Blasco, ela era terrivelmente inteligente, e no começo não escondeu sua má vontade com o assunto de casório, mas aos poucos foi gostando de Blasco, ficou minha amiga e de Gil, ela conversava sobre literatura comigo, sobre guerras com Gil, sobre a fé com Gostantin, e com Blasco falava sobre a vida, sobre as coisas bobas, e só com ele ela ria.

Eu vaguei pelo jardim, pensando em Gil e Blasco, meus dois meninos, crescidos e comprometidos. Gil realmente já estava na época de se casar, apesar de garotos se casarem mais tarde que as mulheres, Blasco com quatorze provavelmente teria um noivado mais longo, e eu com dezesseis, como Gil, estava terrivelmente velha. Sorri da minha vida e caminhei descalça pela grama, pisei nas pedras mornas da trilha, e parei em frente à um pinheiro que balançava a ponta fina, lá no alto, onde parecia arranhar as nuvens.

– Plim! – Gritou Treysa com urgência, ao longe, na porta de casa.

Saí apressada com medo de algo ter acontecido com Emilian. Quando me aproximei perguntei dele.

– Não, ele está bem. – Treysa me olhou segurando um sorrisinho, vi as outras irmãs rindo e espreitando. – Não é isso, é outra coisa.

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Escama NegraOnde histórias criam vida. Descubra agora