Plim Igreja.

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Cecilia estava imóvel na jangada, assim agachada era a perfeita estátua de um anjo, apenas fumaça saindo de sua boca sem cor. Ivna, Emilian e Sará se abraçavam, mas ninguém tinha coragem de chegar tão perto da meio-elfo, e eu, tentava manter a jangada estável. Me lembrei de quando Ivna abraçou Cecilia sem saber de sua condição, lá no navio, logo depois delas brigarem, fiquei imaginando se Ivna culpava sua atual má sorte por aquele momento de descuido.

Minha mão estava endurecida pelo frio, tentei usar a grande vara para impelir nossa embarcação e ela escorregou e caiu no rio, Sará tentou falar algo mas sua voz não saiu. Eu caí de joelhos, tremendo, meus músculos doloridos, sentindo o corpo ficar dormente.

– Cecilia. – Disse com voz rouca e fraca. Ela me olhou com calma e eu a chamei com um sinal, ela se aproximou com movimentos lentos e pesados, eu a abracei e nós duas ficamos agarradas querendo compartilhar o calor, coisa que já não existia.

A jangada balançava, água infiltrando, passando pelas frestas das madeiras. Olhei o céu escuro da noite, Cecilia me apertou com força, tremendo, lembrei dela pequena, uma criancinha fugindo com os pais, lembrei de Sará lutando tão jovem e de Ivna que ainda estava brava comigo. Emilian me olhou até ele estava perdendo a cor, tremendo, todos eles, de repente senti como se fossem minha família, conheci a história deles. Compartilhávamos o mesmo destino e provações. Todos tivemos alucinações, como a que eu tive nas escadas, lembrando do beco. Sará por exemplo; via o pai tentando o matar enquanto dormia, Cecilia via o pai morrer várias vezes e Ivna conversava com o irmão morto. Todos estavam assim mas tinham guardado segredo e revelaram isso só na jangada. Esse devia ser o medo de Orin e Adriel, no mundo dos sonhos nossos pesadelos também ganhavam vida.

– Irm-irmãos. – Chamei. E todos me olharam, todos fracos, os olhos quase fechando. – Vocês são... São me-meus, irm...irmãos também, eu conheço vocês desde pequenininhos.

Todos sorriram quase rindo, só não o fazendo por falta de forças.

– Venham. – Chamei. – Venham aqui.

Nós nos abraçamos na jangada, ainda podia perceber o receio de Sará e Ivna quanto a Cecilia, mas nos abraçamos todos juntos, balançando pelo rio. Fechei os olhos cansados sabendo que não íamos conseguir. Emilian disse alguma coisa, mas a voz dele estava tão fraca que não entendi.

– Te-te... Terra.

Eu olhei e realmente vi terra, a mesma de quando encontrara Emilian, não sabia como mas tinha certeza daquilo. A jangada passava pela margem, tentei alcançar e segurar qualquer coisa e acabei caindo no rio. Ele não estava gelado, não mais que meu corpo. A água entrou no meu nariz, tapou meus ouvidos, usei a força que tinha, os músculos despertando, bati os braços e senti alguém me segurar, vi que era Sará, todos estavam nadando e a jangada ia embora, vazia, uma embarcação fantasma levada pelo rio. Alcançamos a margem. Caímos no chão exaustos, respirando com força, as roupas encharcadas, eu olhei pros meus companheiros, Ivna com os cabelos colados no rosto, e rimos, nossas vozes felizes ecoando na noite, eu me esforcei e rolei pra perto de Ivna, segurei a mão dela.

– Me perdoe, por tirar seu sonho. Eu só... Só não queria que você morresse.

Ivna me olhou apertou os lábios e sorriu concordando com a cabeça molhada.

– Obrigada Plim, por não desistir de mim, eu não vou desistir de vocês. Nunca mais.

Eu a abracei e ela me ajudou a levantar.

Nós corremos pelos campos, nossas forças voltando aos poucos, ainda sentíamos frio, mas algo mudara dentro de nós. Avançamos por campos de flores, e o sol começou a sair, deixando aquele aspecto cinza no céu, as nuvens apareceram e o cinza se tornava azul, a luz dando formatos às coisas, avermelhando o horizonte e a brisa soprando. E corremos, passando pelas campinas, flores e arvores. O som da grama raspando e das pedrinhas esmagadas, alguém riu e eu sorri no mesmo instante, mais alguém riu e todos sentimos o calor dentro de nós, Sará gritou, gritou não, uivou, todos uivamos pro sol recém chegado, éramos lobos nas planícies, dragões, dragões negros.

Escama NegraOnde histórias criam vida. Descubra agora