Com você ao meu lado.

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No dia seguinte, quando o vinho evaporou em urina, Alfonso pediu para que guardássemos segredo sobre a corrida, não por muito tempo, pois segundo ele a notícia seria dada ao público em breve. Ele saiu logo de manhã e o clima do orfanato foi de completa loucura. Treysa suspeitando que planejávamos participar da corrida mágica nos proibiu na mesma hora, discutimos gritando e emburrando a cara, Gil disse que faria de qualquer jeito e Treysa o esbofeteou. A sala calou-se. Nunca tinha visto Treysa desse jeito, sempre fora meiga e compreensiva. Gil recuou, a mão no rosto. Treysa sem conseguir falar, chorou.

— Me desculpe Gil.

Gostantin estava na sala assim como Catalina, apenas observando, sem coragem de se intrometer. Treysa tinha nos criado, nos levava para cuidar da saúde, nos ensinou a ler, colocou na cama, ela merecia a última palavra e todos sabiam disso. Até mesmo Gil que surpreendeu a todos com seu ato, ele se aproximou de Treysa e beijou suas mãos.

— Não tem nada pra perdoar. Eu sei que você me ama. Mas essa é minha escolha. Eu e Plim temos dezesseis anos e Blasco quatorze. Somos adultos, não temos famílias com herança, nem sobrenome, o que temos só são sonhos.

Treysa chorava.

— Mas é perigoso, sabe quantos já morreram tentando?

— É o direito deles minha filha. — Disse Gostantin. — É como Gil falou, tudo o que eles podem fazer nesse mundo é tentar.

Me doía ver Treysa daquele jeito. Ela tinha razão, perigo existia. Na noite passada quando ficamos sabendo que os portões das masmorras seriam abertos novamente, peguei um livro sobre as corridas magicas e ficamos lendo noite a dentro. O problema é que em todas as épocas todo o mundo sempre quis participar da corrida, quando o portão se abria, pessoas de todos os cantos vinham participar, menos os que já tinham pego itens antes, esses não conseguiam retirar do outro mundo um novo item. Mas poder qualquer um participar era bom e ruim ao mesmo tempo, bom porque não existia classe social na masmorra, a partir do momento que conquistasse um item mágico você era alçado ao estrelato, mas o problema era que por motivos desconhecidos apenas um número limitado de itens saía do portal, por isso era chamado de "corrida", só os primeiros conseguiriam, nunca existiu um portal em qualquer lugar do mundo que distribuísse mais que trinta objetos mágicos por ano, então as pessoas se encontravam no dilema do que era permitido fazer para alcançar seus sonhos. Roubar? Trapacear? Matar?

— Tudo bem. — Disse Treysa finalmente. Nós sorrimos, contidos, mas felizes, finalmente teríamos nossa chance. — Mas Plim não participará.

*

Gil foi quem me achou. Estava na árvore da colina olhando para os nossos nomes marcados no tronco. Ele se aproximou e eu dei um meio sorriso.

— Quando eu quiser ficar sozinha, tenho que achar outro lugar, esse aqui tá muito movimentado.

— Ela só quer seu bem. — Disse Gil parado ao meu lado. O campo verde descia pela colina, com a grama se movendo ao sabor do vento, até encontrar a grande cidade de Porto Verde, com todas suas casas e muralha enorme.

— Mas porque só eu? Você ouviu o que ela disse, que sou pequena, magra, sem um olho. E-ela acha.... Ela acha que eu não vou conseguir.

Dei um soco no tronco da arvore, senti a casca dura cortar minha mão, segurava as lagrimas no rosto, tencionando o maxilar, de todas as pessoas no mundo pensei que Treysa sempre acreditaria em mim.

— Eu vou de qualquer jeito. — Disse ainda olhando a árvore. — Ela não pode me impedir.

— Ela não pode. Mas não é esse o problema né?

Escama NegraOnde histórias criam vida. Descubra agora