Os dias caminharam com bastante treinamento. Encontrávamos Adriel pela parte da manhã no lago, Ivna, Sará e Cecilia achavam-se com dificuldades de encontrarem sua essência, e na verdade eu e Emilian também progredíramos pouco desde a noite do lago. Era possível perceber a frustração de Adriel e Orin, os dias iam passando e os exames aproximavam-se, e os únicos que conseguiam usar alguma coisa do item era eu e Emilian, e provavelmente muito por causa de Emilian que parecia motivado e reconhecia a própria essência.
Os dias não estavam sendo fáceis. Não ver progresso desmotivava todos nós. Apenas Ivna parecia querer fazer parte do esquadrão dos Dragões Negros. Desde Alba, quando disse que deveríamos nos esforçar pra fazer isso dar certo, Ivna nos incentivava e não nos deixava pensar em desistir, mesmo quando Sará ou eu a respondíamos com ofensas e a chamávamos de duquesa. Claro que no fim era bom ter alguém que parecia acreditar no grupo mesmo debaixo dos mais duros treinamentos sem alcançar resultado algum. Sofríamos grande pressão para melhorar, e ainda Orin nos avisou que um de nós deveria se tornar capitão do esquadrão e a escolha era nossa.
Os treinamentos não limitavam-se apenas as meditações, na parte da tarde Orin nos pegava para nos exercitar. Correr pelas trilhas subindo a montanha era uma tortura, o único que parecia tirar numa boa era Sará apesar de no fim sempre ficar ofegante e coberto de suor, mas era o único que subia tudo, bom, Emilian também conseguia, mas ele não era normal, e Orin também chegava até o topo, embora ia montado numa mula nos xingando de molengas e apressando sem parar. Cecilia se arrastava enquanto Ivna desmoronava na subida pedindo um tempo pra recuperar o folego. Eu tentava ir até o fim, mas minhas pernas não respondiam, o ar faltava e começava a sentir uma dor aguda no lado direito do tronco.
Orin também nos pegava pra limpar a rua, dizia que a disciplina era essencial para um esquadrão ter sucesso, todos resmungávamos, ainda mais que geralmente fazíamos esse tipo de tarefa logo após uma sessão de corrida, ou abdominais, flexões, polichinelos etc. As ruas ficavam cheias de panfletos políticos, as pessoas levavam a serio essa coisa da eleição, gabavam-se sobre como seus candidatos seriam os mais apropriados a se tornarem protetores. E quando eu perguntava a Orin ou Nestor sobre os postulantes, todos eram contrabandistas, agiotas, donos de casas de apostas, mercenários, e alguns até piratas conhecidos. Eu via às vezes crianças brincando nas ruas, fingindo sempre serem piratas e mercenários, ganhando dinheiro pilhando ou com contratos de assassinatos, as pessoas pareciam achar isso normal, era um jeito de deixar a vida de camponês e galgar degraus mais ricos e poderosos, nem que pra isso tivesse que morrer ou matar nessa subida.
Um dia limpando as ruas, ouvimos um burburinho. Sará curioso foi ver o que acontecia, nos chamou aos gritos, eu e Ivna fomos ao seu encontro e vimos o pobre coitado segurando uma mulher desmaiada em seus braços, as pessoas iam chegando e Sará perdidinho clamava por nossa ajuda. Sentamos a mulher numa cadeira e aos poucos ela recuperou a consciência, gritou um nome, que mais tarde descobri se tratar de seu filho, e se jogou no chão rasgando as roupas. Foi um espetáculo de horrores e os moradores tentaram acalma-la. Depois ficamos sabendo que o filho tinha se juntado a um grupo de salteadores, assolavam terras mais ao norte, foram pegos por um barão e seus homens, e todo bando foi condenado à morte por espantalhamento.
– Espantalhamento? – Perguntei olhando para Ivna e ela deu de ombros sem entender também.
– Não é nada bonito maninhas. – Disse Sará pensativo. – Já vi uma vez nas Fluviais. Empalam o condenado numa madeira e botam uma lança atravessando os braços de forma que ficam abertos assim, espetam a madeira no chão e o cara fica secando ao sol. Se for feito por um perito o camarada demora uns bons dias pra morrer, o que eu vi morreu de sede, seco, igual à um espantalho. Geralmente é um castigo pra crimes hediondos ou profanos, pensei até que essa punição havia sido banida do império.
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Escama Negra
FantasíaPlim é uma órfã de dezesseis anos que odeia seu nome e detesta crianças. Depois de perder um de seus olhos num ataque com bandidos ela decide participar de uma competição especial, conseguir um dos cobiçados itens mágicos e se tornar uma cavaleira a...