Olhei no espelho, confirmando meu enlouquecimento. Meus olhos já não pareciam tão vivos. Meu cabelo antes negro e lisinho agora parecia uma vassoura velha e arrepiada. Emagreci, pálida, fraca, com corpo de bicho doente. E se ouvisse mais um gritinho no meu ouvido...
— CORRAM! EU SOU O GIGANTE CARLINHOS!
— Plem! — Eu gritei. — Tô com dor de cabeça, pirralho.
Tentei agarrar o pequeno Plem que correu pelo sofá da sala, sujando o estofado e derrubando as almofadas. Lilin brincava com os enfeites da lareira como se fossem bonecas. A repreendi e arranquei os objetos de suas mãozinhas, ela me encarou com olhos enormes cheios de lagrimas e abriu o berreiro, minha cabeça latejou, devolvi o enfeite mais baratinho e ela parou. Me lancei exausta no sofá, senti algo frio e grudento, mingau.
— Quem derrubou isso?
Os gêmeos riram baixinho enquanto Plem riscava as paredes com giz. Urrei histérica e todos se calaram. Eu estava tonta, irritadíssima, já não aguentava aquilo. Coloquei todos sentados no sofá, eles sabiam que quando eu ficava zangada a coisa era pra valer. Comecei a passar um sermão neles, mas olhando pros olhos vazios e as mentes avoadas eu sabia que estava falando com sacos de cocos bagunceiros e chorões. Bufei chamando o nome de cada um.
— É assim que vocês querem ser adotados?
Plem olhou pra mim com seu sorriso maldoso e eu já sabia o que viria.
— Igual você foi adotada?
Os outros riram, mas eu sempre tinha um plano B pra quando conversar não dava certo. Baixei as calças dele e o mandei com a bunda quente pro quarto, os outros o seguiram rapidinho. Nem um pio.
Finalmente deitei no sofá. O vento emplumava as cortinas da sala, uma brisa refrescante, escutava as vozes das outras crianças no pátio, os cães latindo e os pássaros nas arvores. Plem tinha razão e eu sabia, por isso bati nele, comecei me incomodar, o certo era subir e pedir desculpas, mas sempre fui uma fraca nisso, arrumava mil desculpas pra não ir, não sabia como fazer, sentia vergonha, embolava as palavras, que só saíam com tremendo esforço. Eu não sabia lidar com crianças, nem quando eu mesma era uma. Talvez por isso eu não tenha sido adotada, as vezes eu pensava nisso, eu era bonitinha, carismática, mas falava demais e era encrenqueira, perdi muitas oportunidades e até hoje me lembro dos casais que conversaram comigo. Senti o vento passar por mim, ali deitada, mexendo os dedos do pé, agora era tarde pra pensar nisso, tive a família que deveria ter, e pra mim, era mais que o suficiente.
— Plim. — Chamou a irmã Treysa. Suspirei, imaginando a baita bronca que iria levar. — É verdade que você bateu no Plem?
— Ele me respondeu.
— Mas não é motivo...
Outra irmã apareceu na sala.
— É verdade que Plim bateu no Plem?
— Ele respondeu à ela. — Disse Treysa.
— Mas não é motivo.
As irmãs foram chegando, bufei sentando no sofá, emburrada e de braços cruzados. Elas começaram a discutir, mesmo comigo calada. Diziam que não era certo, e que contavam com minha ajuda para conseguirem cuidar dos seus deveres religiosos, eu disse que entendia mas não era justo eu fazer tudo sozinha sendo que tinha os garotos pra ajudar.
— Onde eles estão?
— Sei lá. — Respondi. — Provavelmente na praça vadiando.
— Tudo bem. — Disse a madre superiora Catalina. — Você tem a autorização de arrasta-los de volta.
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Escama Negra
FantasíaPlim é uma órfã de dezesseis anos que odeia seu nome e detesta crianças. Depois de perder um de seus olhos num ataque com bandidos ela decide participar de uma competição especial, conseguir um dos cobiçados itens mágicos e se tornar uma cavaleira a...