Sem Máscaras.

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Olhei novamente ao espelho, inclinei a cabeça e com bastante cuidado passei a tesoura nos fios. No começo fora mais fácil, apenas juntei a maior quantidade de cabelo e cortei, agora, acertar o resto era difícil, minha mão tremia, um friozinho na barriga, estava quase cortando quando o navio balançou, me assustei e fechei a tesoura sem querer, sentindo alguns fios de cabelos caírem no meu ombro. Eu estava xingando quando ouvi alguém se aproximar.

– Ah, desculpa, achei que não tinha ninguém. – Disse Alana, aparentemente sem me reconhecer, já estava indo embora quando virou aos poucos. – Plim?

– Fala.

– É você.

– Claro que sou eu. – Olhava o estrago no cabelo, podia ter sido pior, o cabelo ficou todo repicado, mas estava curto como eu queria, não era uma beleza a ser invejada mas eu toda era assim, então tava bom.

– Deuses. O que você fez?

– Não tá vendo? Cortei o cabelo, só.... Ficou meio.... Diferente acho.

Alana sorriu pra mim e eu a encarei, constrangida, pensando que poderia ter exagerado dessa vez.

– Parece um menino. – Disse Alana segurando o riso. – Mas até que em você não ficou tão ruim, expressa.... Sua personalidade. Você devia ter pedido minha ajuda.

– Não precisei. Mas se quer ajudar mesmo pega uma vassoura aí vai, eu tinha cabelo pra caramba

Alana olhou pro chão infestado de cabelos.

– Acho que passo essa.

– Foi o que eu pensei.

Limpei o barco e me arrumei, o dia estava quente, assim coloquei um vestido fino e branco, ele era muito leve e pensei que poderia me expor, então vesti calças mesmo estando com vestido, esse dia eu desprezava qualquer padrão de moda. E pra completar peguei o presente de Gostantin, abri a caixinha e tirei o tapa olho, negro e simples. Pensei em recusar o presente quando o velho monge apareceu com ele, sentia vergonha de tirar as bandagens, elas eram incomodas e sufocavam minha pele, apertavam a cabeça, mas tampavam boa parte da cicatriz. Gostantin dissera que eu não deveria ter vergonha, que no começo me sentiria estranha, mas que agora eu era assim, deveria aceitar, me sentiria melhor e depois de um tempo nem notaria a diferença. Suspirei e tirei as faixas, desenrolando, sentindo alivio, meu rosto estava pálido onde as faixas cobriam a pele, meu olho era horrível, sem cor e riscado, e a cicatriz de arrepiar. Começava na região do supercílio, descia até o olho e continuava em duas direções diferentes, o canalha não se contentou em me cortar apenas uma vez. Uma marca era menor e terminava pouco depois da maçã do rosto, a outra descia pela bochecha, pegava todo o comprimento do lado esquerdo do meu rosto, chegava nos lábios e terminava no fim do queixo. Senti uma lagrima descer pela minha face direita, agora eu chorava apenas de um lado, olhei mais uma vez as marcas, eu tinha esquecido como eram horríveis, como eram muitas, a crueldade, quase como se voltasse a sentir a dor dos cortes, as cicatrizes não eram mais rosas, agora eram cinzas, ásperas, cravejadas no meu rosto. Coloquei o tapa-olho, respirei fundo e saí do quartinho.

O sol brilhava forte, ouvi o mar, as pessoas falando, risadas e até música, alguém tocava um instrumento de cordas. Andei cabisbaixa, meio envergonhada, cerrei os punhos, decidida, caminhei por aí quando vi Emil, ele parecia debilitado, ainda meio enjoado, mas já conversava com os meninos, Fidlian sentava num barril junto perto de Emilian. Gil e Blasco estavam em pé, na amurada da proa olhando o mar, com eles havia um garoto da altura de Gil, de tronco bastante forte e pele morena, e também uma garota magra de cabelos negros, um vestido florido, usando uma rosa espetada no cabelo perto da orelha. Criei coragem e me aproximei. Eles falavam sobre a cidade de Alba, olhavam através do oceano como se pudessem ver a capital, todos estavam de costas pra mim, mas Emilian se virou, ele sempre pressentia eu me aproximar, sorriu dizendo que Alba era por ali, esticando seu dedinho para o infinito, ele não disse uma palavra sobre meu visual.

Escama NegraOnde histórias criam vida. Descubra agora