Capítulo 16 - Pensamento

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Escapei do vestiário pouco tempo depois do inesperado acontecer. Henri não me beijou por mais um minuto, eu o empurrei e corri. Agradeço por estar escuro e não puder ver a sua cara, e nem permitir que visse a minha. Eu não sei o que farei amanhã para evita-lo, só sei que não quero vê-lo... ou sei lá, talvez eu queira, de longe se for possível.

Corri por quatro quarteirões e meio (que é a distância de casa para o colégio) e cheguei tão ofegante quanto saí de lá. Eu não sei que reação ele teve quando o empurrei, mas não pretendo descobrir. Para o bem de nós dois.
O beijo foi tão intenso que chego a ter frio na barriga quando lembro da sensação.
Eu não sabia o que pensar, afinal, isso nunca passou pela minha cabeça. Um milhão de "eu não deveria ter gostado" vem a minha mente e começo a me sentir um pouco culpado por ter que esconder mais alguma coisa de Seth.
Então foi por isso que Henri mandou Jonz se afastar de mim? Ele estava com ciúmes, como Callie disse?
Será que tudo isso foi real mesmo?

-O pessoal da auto escola ligou, sua carteira está pronta e você já pode ir buscar a Lili no colégio.-Minha mãe começa a dizer logo após o "bom dia", meus olhos mal estão abertos, eu só dormi durante meia hora, estou cansado e dolorido como se tivesse caído de um prédio. Eu não deveria ter saído correndo daquele jeito. Ou talvez, se eu tivesse dormido mais um pouco, estaria bem... se não tivesse acontecido um milhão de coisas em apenas alguns minutos ontem. Minha ansiedade está me matando aos poucos. Minha cabeça dói e sinto como se estivesse girando, é horrível.

-Beleza.-Alcanço a garrafa térmica de café. Não tô tão atrasado para ter que passar na cafeteria. E aquele lugar não tem graça sem Seth.

-Você pode dirigir o carro que era do seu pai.

Paro o que estou fazendo e viro para olhar para a minha mãe e tentar descobrir se ela foi substituída. O carro do meu pai está parado na garagem desde que ele morreu.

-Se não fosse o despertar, eu dormiria para sempre!-Ouço a voz do treinador ainda na escada quando estou prestes a questionar a atitude bizarra da minha mãe. Eles dormiram juntos, ao que parece, e também parece que a fila emocional de todo mundo anda, menos a minha.-Bom dia, Kody.

Dá dois tapas no meu ombro quando passa por mim. Se eu não tivesse quase dormindo em pé, perguntaria o que ele perdeu aqui. Será que não posso ter paz nem na minha casa?
Minha mãe, mais fora do ar do que eu, o cumprimenta com um beijo e segue para acordar a Lilian. Não sei que milagre aconteceu, só sei que não tenho tempo e nem neurônios para interferir agora. Começo a tomar o meu café sem açúcar.

-E aí, como foi no treino? Divertido?

Quando sua pergunta é feita, aquele momento no vestiário volta para a minha mente. Eu queria simplesmente poder esquecer e seguir em frente sem ser atormentado por isso.

-Legal...-Continuo seguindo até a sala.

-O Henri parou de te incomodar?

Paro de andar imediatamente. Eu deveria contar que ele não parou... eu deveria. Tudo o que é relacionado a Henri se torna uma imensa confusão e dor de cabeça. O treinador, provavelmente meu futuro padastro indesejado que esqueço o nome, espera a minha resposta interessado.

-Sim.

-Pode até não parecer, mas ele é um bom rapaz.-Tento me concentrar somente na sua torrada com geleia para não ter que ouvir o que diz.-Sabe... ele até me pediu para te apresentar o vestiário, já que você nunca tinha ido lá. Com certeza está arrependido do que fez.

-Ah, entendi.-Interrompo para não ter que ouvir mais sobre esse assunto que está acabando com o que resta da minha sanidade mental e continuo andando até a escada para me aprontar.

Bem, ele não me apresentou o vestiário, e se tentou fazer, foi de uma forma bem inusitada. Me causou danos, pois por mais que eu tente parar de pensar no que aconteceu, não consigo. Minhas memórias me sufocam, jogando na minha cara que aquele momento, por mais que rápido e surpreendente, foi ridiculamente bom. E eu odeio surpresas.

*

-É impressão minha ou você tá fugindo de todo mundo hoje?-Callie me encontra na segunda aula do dia, que infelizmente temos juntos. Não vi nem rastros de Henri hoje e espero que ele continue sumido.

-Não estou.

-Ah, bom. Esqueci que você é esquisito.-Arrasta a sua mesa e cadeira para o meu lado usando o famoso pretexto de ter esquecido os livros em casa.-E aí, como foi no vestiário?

-O que?!-Viro-me imediatamente, abandonando o desenho de uma rosa que eu fazia na mesa, tentando imaginar se ela sabe de alguma coisa (e como diabos ela soube).-Como assim?

-Calma, cara.-Percebo o quanto sou paranóico quando ela franzi a testa como quem realmente não sabe de nada.-Você me falou que ia para o treino e eu fiquei curiosa.-Ri.-Parece até que rolou algo além do esperado naquele lugar cheio de piroca...

-Não rolou porcaria de nada!

-Então não deveria estar tão estressado!

-Eu nã...-As palavras evaporam quando vejo Henri entrar pela porta da sala.

Aquela maldita sensação de quando lembro do que aconteceu volta imediatamente. Sinto um frio na barriga e agradeço a alguma força superior por ele não ter me encarado, está ocupado de mais conversando com seus amigos enquanto caminha até o seu lugar.

-Kody?-Callie segue o meu olhar.

-...eu não estou!-Respondo.

-Você não sabe disfarçar porcaria de nada.-Diz, debochada, colocando os seus fones de volta nos ouvidos enquanto ri da minha cara.

*

Obriguei Callie a sair antes de terminar a aula para me deixar em paz, eu não sei o que ela disse para o professor, mas ele a liberou imediatamente. Eu não quero nem que passe pela cabeça dela o que rolou ontem, se não, seria capaz de me deixar um pouco mais louco.
Na verdade eu não quero que ninguém saiba, se eu pudesse, nem eu mesmo saberia.

O sinal toca e todos da turma saem de imediato como um rebanho de ovelhas. Acho que a aula de física deixou todo mundo um pouco mentalmente exausto, até o professor, ele foi um dos primeiros a sair da sala. Eu detesto física.

Para o meu azar, Henri ainda está aqui. Parece que o universo tá conspirando para ferrar comigo.
Adianto os passos fingindo estar concentrado no desenho que fiz e pretendo mostrar para Seth uma outra hora, dessa vez numa folha de papel. Não tenho mais nada além disso para olhar e fingir que não sei que ele está aqui. Quando finalmente alcanço todo mundo, percebo que foi um pouco tarde de mais.

Sei que é a sua mão que agarra o meu braço pois já sei como é a sensação. E como eu poderia esquecer?
Ele segura forte, o meu coração, que já estava batendo rápido, agora parece estar a mil por hora.

-Se correr eu te mato.

Somos os únicos na sala agora, ele finalmente me solta, mas eu não fujo, não quero que pense que sou covarde. Me recuso a olhar para ele, mesmo sabendo que isso o irrita.

-O que você quer?-Pergunto, em quase um sussurro.

-Quero que fique calado.-Ele não pede, ordena. Ergo as sobrancelhas, ainda olhando para o desenho de um coração humano realístico em minhas mãos. Henri arranca o papel de mim e o amassa, jogando-o no chão. Não imaginei que ele estaria tão puto sem muitos motivos. Não me importo e continuo olhando para o papel agora no chão.-E quero que desapareça da minha frente agora.

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