Capítulo 45 - Marcas

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Eu estava destruído, totalmente quebrado, tanto por dentro quanto por fora. As lágrimas queriam me impedir de enxergar o caminho de volta para casa enquanto eu dirigia.

Eu o perdi por ser tão idiota, e não consigo deixar de achar que a culpa é somente minha. Eu prometi que não esconderia mais nada dele, porem já estava escondendo, e eu sou péssimo em cumprir promessas.
Cheguei em casa e, como sempre faço, decepcionado ou não, corri para o meu quarto e fechei a porta para que ninguém pudesse saber que eu chorava. E que tudo estava indo por água abaixo. A sensação de perda que eu conheço muito bem voltou, e com ela veio nenhuma esperança, para acabar de vez comigo.

Observo no espelho a marca levemente visível da sua mão no meu pescoço. Também há em cada um dos meus braços. Por eu ser quase transparente de tão pálido, as marcas ficam com muita facilidade. A minha cabeça meio que dói também, e isso só me faz lembrar de tudo o que aconteceu antes, não que eu já não tenha lembrado assim que abri os olhos hoje, mas dessa vez com mais clareza.

O motivo de eu acordar é que temos uma prova de física hoje, e essa prova é a chance que tenho para não reprovar na matéria que tanto me aterroriza. Pelo menos não teremos que fazer dupla, pelo menos não hoje. Eu tenho um pouco de medo de ouvir o que mais ele tem a me dizer. Entretanto, quero vê-lo, mesmo que me odeie.

Visto um suéter de gola alta, o clima meio frio me favoreceu e veio em uma boa hora.
Desco as escadas, pronto para procurar café ou qualquer coisa que possa me tirar o sono na cozinha e vazar daqui logo. Não deixo de notar que a minha mãe sorri sozinha enquanto mexe o seu café numa xícara. Está com o cabelo solto e usando batom para ir ao trabalho, isso não costuma ser um bom sinal.

-Bom dia, querido!-Seu ânimo me espanta, estreito os olhos imediatamente. Isso sempre acontece quando acha que está apaixonada. Não é que eu não curta que esteja feliz, mas isso tem uma data de validade bem curta.-Você dormiu bem? Como um anjinho?

-Sim...-Abro o meu copo térmico para colocar café.-Eu acho...

-Onde esteve ontem a tarde?-Pergunta, me arrependo de ter passado na cozinha.

-Me fala sobre ele.-Mudo de assunto, já deve saber do que se trata. Eu não tenho o menor interesse em saber, mas não quero falar sobre ontem.-Eu quero conhecê-lo.

Suspira, voltando a sorrir. Será que eu fico assim quando estou gostando de alguém?

-Você já o conhece querido, é o Sean, o Dr. West.

Largo o meu copo com café no balcão pois quase o derrubo. Como diabos isso aconteceu?! E quando essas malditas surpresas vão acabar?!
A minha cara é de incrédulo e de indignado, mas não tem problema, estou sempre assim.

-C-como assim?!-Pergunto.

-Estive em algumas consultas... e nós conversamos um pouco.-Suspira mais uma vez, ainda sorrindo para nada. Sei que conversaram, pelo que sei ele sempre faz isso. E quando o quesito é se lamentar, a minha mãe também. O destino que a propósito sempre é cruel comigo decidiu unir essa maldita coincidência.-Eu tinha entrado em um aplicativo de relacionamento, sabe, a sua irmã me ajudou. Aí quando eu peguei o meu celular, lá estava a mensagem dele!

Finjo estar surpreso, sendo nem um pouco espontâneo. Eu gostaria de saber dos detalhes dessa história, mas também tenho medo de saber de mais e ficar traumatizado.

-Você... tem certeza?-Pergunto, pois é só o que me vem a cabeça.-Tipo... vocês acabaram de se conhecer...

Levanta-se, ainda com cara de quem acabou de achar ouro. Pelo visto a minha pergunta não a afeta.

-Claro que sim, querido! Sabia que ele tem um filho da sua idade?! Vocês podem se dar bem! Você precisa mesmo de amigos novos...

Assinto, ainda fingindo estar surpreso. Queria que pudessemos nos dar bem, mas não com os nossos pais tendo um caso.

-Eu... já vou. Estou atrasado.-Escapo, pois já tive surpresas de mais ultimamente, e não quero ter outra tão cedo, se for o caso.

*

-Maldita prova... perdi todas as minhas esperanças hoje.-Callie me encontra perambulando pelo corredor logo depois da prova. Seguimos para o refeitório. Estive evitando-a hoje, na verdade estive evitando todo mundo.-Nenhuma novidade, a propósito.

Eu o vi, uma única vez, foi o último a entrar na sala da aula de física. Seu olhar sequer seguiu até o outro lado da sala para vir de encontro a mim. Em momento algum.

-Aquilo alí é novo para mim.-Volto a prestar atenção no que Callie diz quando chegamos ao refeitório, ela para, eu sigo o seu olhar. Henri está com aquela Lizie que salvamos naquele dia. Estão sozinhos em uma mesa e parecem felizes enquanto conversam, se me arrisco a dizer. Não posso negar e dizer que a cena não mexe comigo, pois mexe sim, e muito, mesmo que não esteja rolando nada. Entretanto decido continuar andando para sentar-me também, de preferência de costas para ele.-Ela o ajudou a estudar para a prova, acho que é algum tipo de recompensa... sei lá, ainda acha que ele denunciou o ex estuprador dela.

-Isso não me interessa.-Digo, arrastando uma cadeira para sentar e fingindo estar super bem.

-Sério? Vocês mal começaram...-Olha para o seu relógio de pulso, esperando o seu horário sagrado chegar.-Eu até que tinha fé em vocês.

-Somos praticamente meio-irmãos agora.-Deixo escapar, pois não me importo mais. Respiro fundo.

Sua cara é de surpresa, acho que a de todo mundo seria.

-Não brinca!-Diz.-Sua mãe e o...

-Alguém conhece algum tipo de veneno que mata irmãs adotadas? Preciso me livrar da minha.-As surpresas não acabaram, Karen acaba de chegar para sentar-se conosco. Tenho percebido que desde o incidente no último projeto de festa de Callie, tem surgido gente aleatória para conversar com a gente.-De uma forma dolorosa.

-Ah, mas eu aposto que não vai rolar nada.-Diz Callie. "Aposta que sim" penso. Logo em seguida o alarme no seu celular começa a tocar e ela levanta-se de imediato.-Eu não demoro, não morram de saudades.

Nos deixando a sós, desaparece. Eu não faço idéia de como lidar com a ex revoltada e incrivelmente bonita de Henri. Ela me encara por alguns segundos, me deixando desconfortável.

-Se arrepende?-Pergunta, de repente.

-O-oque?-Tento parecer confuso.-Como assim?

-Dele.

-Eu... não sei do que você está falando...

Estica o seu braço, indo de encontro a gola do meu suéter. Tento me afastar, mas ela é mais rápida. Tira o colar de dentro da minha roupa e o larga como se este pudesse queimar a sua mão. Deveria ter uma parte para fora, por isso que me encarava. Ela o reconheceu, é claro. Preciso ser bem mais cuidadoso.

-Você considera isso uma declaração? Se sim, eu lamento.-Diz, cruzando os braços e encostando-se na cadeira.

-Eu... acho que isso não te interessa, certo? Por que se importa?-Estico a gola para enfiar o colar de volta, mas acabo esquecendo de um detalhe. Seu olhar corre imediatamente para a marca no meu pescoço. Sua expressão meio que muda para preocupada, mesmo que seja difícil identificar.

-Isso realmente não me importa. Mas ainda assim, me importo mais do que ele. Imagino que essa não seja a única marca.

Engulo em seco, claramente desconfortável com o assunto.

-Eu... sei o que estou fazendo.-Digo, levantando da cadeira onde estava sentado.

-Eu também achei que sabia.-Diz, me fazendo parar e olhar para trás para fingir não estar interessado no que diz, e também porque quero vê-lo mais uma vez, mesmo que seja de relance. Seu olhar está em mim. Ou melhor, estava, ele o desvia no mesmo instante em que viro. Prefiro acreditar que ele realmente olhava para mim do que que foi um acidente.
Entretanto, caminho para sair do refeitório. Não quero ouvir o que Karen tem a dizer e o que sei que não é verdade.

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